Curiosidades sobre a origem do fascismo no Brasil
Edberto Ticianeli
Ideias nacionalistas conservadoras não eram novidades no Brasil da primeira República. Novidades mesmo vinham da Europa com as informações sobre a organização política e o fortalecimento dos defensores destas correntes de pensamento.
Foi nesse ambiente político que o paulista Plínio Salgado, um jornalista e escritor natural de São Bento do Sapucaí, resolveu reproduzir no Brasil a experiência de Benito Mussolini na Itália.
Ele era deputado estadual em São Paulo quando, a partir de junho de 1930, tomou parte de uma delegação de jornalistas e escritores que excursionou por países da Europa e Oriente.
No dia 14 de junho, em Roma, na Itália, estiveram com o primeiro-ministro Mussolini.
Em entrevista à Agência Americana, Salgado declarou que o “Duce” lhe causou a mais agradável impressão, maravilhando-se com a sua delicadeza e bondade, e que o qualificava como um homem formidável, verdadeiramente superior. Informou ainda que Mussolini demonstrou interesse por informes sobre o progresso do Brasil.
Numa carta de 1936, ele deu mais detalhes desse encontro: “Contando eu a Mussolini o que tenho feito, ele achou admirável o meu processo, dada a situação diferente de nosso país. Também como eu, ele pensa que, antes da organização de um partido, é necessário um movimento de ideias“.
Esses 15 minutos que Plínio Salgado permaneceu conversando com Mussolini foram determinantes para o surgimento do fascismo no Brasil.
De volta ao Brasil, em 4 de outubro de 1930, soube que no dia anterior havia sido deflagrada a Revolução de 1930. Salgado ainda escreveu artigos defendo o presidente deposto, Washington Luís.
Com a consolidação da vitória de Getúlio Vargas, passou a apoiá-lo, participando da redação do manifesto da Liga Revolucionária de São Paulo, organização liderada por Miguel Costa e João Alberto em apoio à revolução.
Sua adesão a Vargas como ditador era tal, que em junho de 1931, como redator de A Razão, jornal de Sousa Aranha, desencadeou intensa campanha contra a constitucionalização do Brasil. Como resposta, o movimento paulista contra Vargas tocou fogo no jornal.
A partir de fevereiro de 1932, Plínio Salgado começou a colocar em prática o que tinha elaborado após a conversa com Mussolini e criou a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), agregando os principais pensadores que apoiavam o fascismo no Brasil.
Em 6 de maio de 1932 sugeriu a criação da Ação Integralista Brasileira (AIB) e dessa proposta surgiu o Manifesto de Outubro, que definiu as diretrizes para a fundação desta organização fascista.
Então, o homem formidável e verdadeiramente superior que ele tinha visto em Mussolini, passou a ser ele mesmo a partir de fevereiro de 1934, quando o I Congresso Integralista, realizado em Vitória, confirmou que a sua autoridade era absoluta, exercida sob o título de “chefe nacional“.
“Deus dirige o destino dos povos”
Não era bem assim que funcionava para a AIB, recebedora de vultuosas doações da Embaixada italiana no Brasil e que tinha interesse em influir em nossos destinos.
Quem indicou a necessidade dessa “ajuda” ao governo italiano foi Eurico Menzinger, o encarregado de negócios na embaixada daquele país no Rio de Janeiro.
Avaliou ele que a Ação Integralista tinha relativa aceitação na sociedade. Essa estimativa foi confirmada por um consultor vindo da Itália de nome dr. Gomes, que ficou impressionado com a força do movimento.
Em informe interno, ele defendeu apoiar a AIB para exercer controle sobre ela e ampliar a influência italiana na política brasileira, sem perder de vista atrair Vargas para a órbita do Eixo.
E assim o dinheiro italiano começou a ser transferido regularmente para os cofres integralistas, dando condições para que o movimento político adquirisse mais força e organização.
Racismo
O fascismo brasileiro não era racista. Plínio Salgado declarava publicamente que não aceitava o racismo. Pregava a segunda abolição, justificando que a abolição não se completou por falta de políticas de integração e de auxílio à população emancipada.
Esse discurso atraiu a participação das lideranças da Frente Negra Brasileira, organização criada em setembro de 1931 em São Paulo e defensora da integração do negro brasileiro, a partir dos valores dominantes da época.
O nacionalismo da FNB tinha origem na ocupação do mercado de trabalho por imigrantes. Acreditavam também que o Brasil somente encontraria solução para os seus problemas com um governo forte, que defendesse os interesses da nação, a exemplo do que Hitler vinha proporcionando à Alemanha no início da década de 30.
Participação das mulheres
Plínio Salgado defendia que não apenas os homens possuíam deveres cívicos, espirituais e intelectuais, mas também as mulheres.
Em seu livro “A Mulher do século XX”, de 1946, o Chefe Nacional dos fascistas brasileiros pregava que “o homem e a mulher têm necessidades, aspirações, direitos e deveres tanto no que concerne à sua subsistência física, como a interferência na vida político-social e às aspirações religiosas”.
Avaliava que essas “aspirações, direitos e deveres” tornavam a mulher “absolutamente igual ao homem, tendendo ao mesmo fim que ele, e tudo o que é lícito e bom para o homem, também é lícito e bom para a mulher”.
E concluía: “a mulher integral, a mulher que se realiza na sua plenitude biológica e espiritual, não é nem superior nem inferior ao homem: é diferente”.
Essas “Blusas Verdes” ocuparam cargos importantes na organização e foram responsáveis por exitosos trabalhos de recrutamento de militantes de ambos os sexos, principalmente no Nordeste.
Dava-se importância às mulheres pelo seu papel educador, de mãe cuidadora da família: “Uma nação onde as mães não são mães, na plena significação espiritual do termo, também os filhos não serão homens e mulheres dignos; e uma sociedade constituída de tais elementos pode construir máquinas, arranha-céus e mil confortos técnicos, mas constrói uma civilização“.
O integralismo também via como papel das mulheres os cuidados com a saúde e investia na preparação de enfermeiras para o enfrentamento das endemias. O brasileiro teria que ser um povo forte para ter condições de desenvolver o país.
Várias propagandas divulgavam os cursos integralistas de enfermagem, com turmas voltadas para o trabalho em laboratórios, lactários e ambulatórios, ou para os serviços em clínicas, hospitais e instituições sanitárias.
Também se recomendava cursar datilografia e boas maneiras.
Disciplina militar
O fascista brasileiro da AIB era considerado como um soldado de Deus e da pátria. E como tal, de acordo com disciplina militar, jurava executar as ordens “sem discutir”. Assumia esse compromisso de braço direito levantado na frente de um retrato de Plínio Salgado.
As sedes da organização tinham que expor no salão principal uma foto do Chefe Supremo Plínio Salgado, além de um relógio de parede com a frase “Nossa hora chegará!“. Um cartaz completava a decoração obrigatória com os dizeres: “O integralista é o soldado de Deus e da pátria, homem novo do Brasil que vai construir uma grande nação“.
Também de forma militar era tratado o uniforme, que se destacava por suas camisas verdes de mangas compridas e colarinhos e punhos abotoados. O tecido tinha que ser nacional (brim ou algodão). As calças podiam ser brancas ou pretas. E mais: gravatas pretas e lisas, gorro verde de duas pontas e fivela dourada. As mulheres usavam saias pretas ou brancas.
O fascista não podia ingerir bebida alcoólica, dançar ou jogar. Caso fosse preso, pediria licença ao policial para retirar a camisa. Se a prisão fosse política, manteria a vestimenta e a ostentaria com orgulho patriótico.
No carnaval, não se podia nem sonhar com a possiblidade de usar seu uniforme como fantasia em algum baile.
A prática de esportes era recomendada. Alguns estados chegaram a constituir times de futebol.
Fascismo e religião
A organização fascista também tinha características religiosas, além de cultuar Plínio Salgado como alguém de superioridade mítica.
Criaram seus próprios rituais de batismo, casamento e funeral. O seu clero, ou braço religioso da organização, era formado pelos “batinas-verdes“. Um dos mais famosos deles foi o então sacerdote e futuro arcebispo emérito de Olinda e Recife Dom Hélder Câmara.
No batismo, após o sacramento, a criança era enrolada pela bandeira da AIB e os pais e padrinhos, devidamente uniformizados, gritavam: “Ao futuro pliniano, o seu primeiro Anauê!“.
Marketing nacionalista
Os fascistas dos anos 30 cuidavam da educação dos seus militantes ou dos seus futuros membros como forma de divulgação de suas ideias e também para se aproximarem das camadas da população menos assistidas. Em alguns estados criaram escolas integralistas.
Sua propaganda era realizada em bens de consumo. Doces, cigarros e cremes dentais ostentavam sua marca, o sigma. Lançaram jornais, a exemplo do A Ofensiva, e revistas, como Anauê, Panorama e Brasil Feminino.
Até na comemoração do Natal eles conseguiram criar identidade a partir de uma versão brasileira para o Papai Noel considerado “capitalista”. O bom velhinho dos integralistas era o Vovô Índio, “um senhorzinho amigo das árvores” e “vestido com penas de passarinhos“.
O nacionalismo aparecia também na famosa saudação “Anauê!”, que era pronunciada com o braço direito levantado, semelhante aos nazistas. A origem do termo é tupi, que a utilizavam como grito de guerra. Seria algo como “Você é meu parente!“.
Quando usada como cumprimento entre integralistas, o tom de voz era natural, mas nos rituais a voz era incisiva.
Um integralista saudava outro com um “Anauê!”. Caso o saudado fosse um dirigente, seriam dois “Anauês!”. Plínio Salgado tinha direito a três saudações, só perdendo para Deus, que recebia quatro “Anauês!”. Um detalhe: em eventos públicos, somente Plínio Salgado podia saudar Deus.
A letra grega sigma (Σ) era o símbolo dos fascistas. Como na matemática significa o somatório, no fascismo representava o projeto de um Estado único e integral. Daí o uso do termo “Integralismo”.
Qualquer objeto dos integralistas recebia o sigma. Aparecia na braçadeira do uniforme e até nos objetos da cozinha dos militantes.
Tinham o seu hino, claro que de autoria de Plínio Salgado (“Avante! Avante! / Pelo Brasil, toca a marchar / Avante! Avante! / Nosso Brasil vai despertar”) e não cantavam a segunda parte do Hino Nacional do Brasil. Não concordavam com o “Deitado eternamente em berço esplêndido!” de Joaquim Osório Duque Estrada.
Desintegração do integralismo
A Ação Integralista Brasileira existiu de 1932 até 1937, quando Vargas instituiu o Estado Novo. Antes do golpe de 1937, Plínio Salgado esperava ser candidato a presidente da República em 1938. Desistiu após lhe ser prometido o Ministério da Educação se apoiasse Vargas.
Não houve eleição e o Estado Novo extinguiu os partidos políticos e a AIB.
Insatisfeitos, os integralistas tentaram dois levantes contra Vargas (11 de março e 11 de maio de 1938). Fracassaram. Mil e quinhentos revoltosos foram presos, Plínio Salgado entre eles. No dia 22 de junho de 1939 se exilou em Portugal, onde permaneceu até 1946.
Durante o Regime Militar após 1964, Plínio Salgado foi eleito deputado federal pela Arena para mais duas legislaturas. Seu projeto mais lembrado foi o que criou a disciplina escolar conhecida como Educação Moral e Cívica.
Morreu em 8 de dezembro de 1975, aos 80 anos, vítima de infarto. Para sua doutrina, ele não morreu: foi transferido para a milícia do além, recebendo ordens diretamente de Deus.