Hospital psiquiátrico
Miguel Gustavo de Paiva Torres
MEMÓRIAS DE PRAGA
Nossa residência ficava a cinco minutos de carro da chancelaria da embaixada e a cinco minutos de carro do centro da cidade. Bondes elétricos novos e confortáveis a dois minutos a pé, com várias direções disponíveis.
A embaixada estava em uma antiga residência da alta classe média checa, no alto de uma colina, ao lado do icônico Hotel Praha, construído na época comunista para impressionar visitantes e acolher grandes congressos e conferências na cidade. Moderno, bem equipado, com amplos jardins bem cuidados e belíssima vista da cidade.
Na primeira semana de trabalho fui conhecer os funcionários e me inteirar das tarefas que teria pela frente. Reuni-me, todos os dias úteis, com o educado e reservado colega que iria substituir, já removido para o Brasil.
No início da segunda semana encontrei um clima bizarro, de muita tensão, na chancelaria. Perguntei pelo meu colega e recebi a resposta de que ele estaria adoentado e não poderia comparecer ao trabalho.
Meados da semana, a secretária principal da embaixada, Jana, pronuncia-se Iana, — que estava me assessorando —, pediu para falar reservadamente comigo, quase chorando.
Tremendo, confessou que estávamos com um problema sério para resolver: o colega a quem iria substituir tinha surtado, pretendia aparentemente se matar, e ela e outros funcionários antigos da embaixada haviam decidido, reservadamente, internar o chefe no Hospital Psiquiátrico de Praga.
Apavorado, disse ela, com as histórias que ouvira sobre o papel do hospital psiquiátrico nos tempos do nazismo e do comunismo, nosso colega decidiu fugir, na surdina da noite, pulando o muro do Hospital.
Naquele momento, encontrava-se de volta ao seu apartamento, fechado a sete chaves, sem querer abrir a porta e aceitar, pelo menos, comida e bebida.
Revelado o segredo foi um Deus nos acuda. Depois de vários telefonemas internacionais fomos informados de que haveria uma amiga íntima dele, residente em Paris, que talvez conseguisse adentrar o apartamento e conversar com ele.
Assim foi feito. A amiga — essa amiga de verdade — veio de Paris, entrou no apartamento e resgatou o excelente e competente profissional para o mundo real.
Fizemos de conta que nada havia acontecido. Brasília nunca soube. Tudo continuou como dantes, no “Quartel de Abrantes”, até a partida definitiva do pacato diplomata, já recuperado e tranquilo.