Praça da Faculdade e o Natal do Petrodólar

Edberto Ticianeli

Quando as forças armadas do Egito e da Síria atacaram Israel, em 6 de outubro de 1973, não avaliaram o impacto que essa ação causaria ao planeta, principalmente a uma nobre parte dele, o bairro da Ponta Grossa, nas terras baixas do Alentrilho (ou após os trilhos da Praça do Pirulito), em Maceió.

A Guerra do Yom Kippur durou 20 dias em outubro de 1973, mas a crise do petróleo provocada por ela permaneceu por mais tempo e causou um estrago considerável na economia mundial.

Em represália aos Estados Unidos, que apoiaram Israel nesse conflito (e em todos os outros), os árabes e a sua OPEP resolveram elevar o preço do petróleo. Em cinco meses (de outubro de 1973 a março de 1974) os barris do produto supervalorizaram em 400%.

No Brasil, os preços dos combustíveis dispararam e o governo reduziu a aquisição dos refinados, provocando a escassez do produto nas bombas. Tinha início o fim do “Milagre Brasileiro”.

Na Ponta Grossa, a Turma da Esquina não perdeu tempo e adotou a crise dos combustíveis como tema para o desfile de sua troça campeã no Banho de Mar à Fantasia, prévia carnavalesca que ocorreu no dia 25 de fevereiro de 1974.

A Turma da Esquina era uma ONGO (Organização Não Organizada) estabelecida sob a marquise da fábrica de vinagres, onde se cruzam as ruas Guaicurus e Assembleia, e detentora dos títulos máximos das troças maceioenses de 1972 e 1973, com “As Verdadeiras Mulatas da Mangueira” e “A Velha debaixo da Cama”.

Como a batucada do grupo já estava ensaiada e pronta para desafinar (por muitos anos foi o grupo musical mais desafinado do carnaval de Maceió), faltava somente preparar um carro velho com um mastro e vela, transformando-o num veículo terrestre movido a vento.

Não deu certo. A crítica carnavalesca, intrínseca das troças, não foi bem aceita pela Polícia Federal, que resolveu proibir o desfile do “Carro a Vento”. Para completar, as autoridades também estiveram na Rua da Assembleia para prender o professor Neto, proprietário de um mimeógrafo a álcool utilizado nas horas vagas para imprimir um único exemplar do jornal de fofocas afixado na porta da fábrica de vinagres.

Neto, para não ser detido como subversivo, ficou sumido o tempo suficiente para que tudo se esclarecesse, mas ficou sem o mimeógrafo.

Ainda em 1974, a Ponta Grossa e o resto do mundo passaram a ouvir com insistência a expressão Petrodólar.

— É um dinheiro novo que só com ele vai se pagar a gasolina do carro, arriscava explicar Hamilton Oião.

Nem chegou perto.

O tal do Petrodólar nada mais era que o resultado de uma política norte-americana adotada para proteger o dólar diante da possibilidade de ele perder força após o fim do padrão ouro.

Acertaram com a família real saudita que todos os negócios do petróleo fossem realizados em dólar. Em contrapartida ofereceram proteção militar para os campos de petróleo da Arábia Saudita.

Foi mergulhado nesse clima de crise dos combustíveis e Petrodólar que no início de dezembro de 1974 a Praça da Faculdade, no Prado, começou a receber o parque de diversão para as tradicionais festividades do Natal e Ano Novo.

Era o ponto de encontro de milhares de pessoas, principalmente dos jovens, que ali compareciam para participar do desfile por suas longas calçadas, onde ocorriam as paqueras. A Ponta Grossa contribuía com parte considerável desse público pela proximidade, podendo se chegar ao local a pé.

E assim, na noite de terça-feira, 24 de dezembro, lá fomos nós da Turma da Esquina para a famosa praça, onde nos postamos, como sempre, ao lado do Bingo do seu Manoel, também morador da Rua da Assembleia e antigo proprietário de parque de diversão.

Estávamos há apenas alguns minutos na praça quando Samuel Muquinha alertou:

— Rapaz… já vi passar por aqui umas três pessoas vestindo camisas com o nome Petrodólar em destaque.

Foi a deixa. Ficamos atentos para as vestimentas dos passantes em busca da tal camisa Petrodólar.

Em menos de um minuto surgiu mais uma.

Quatro, contou Delmari.

A partir daí a apuração passou a ser oficial e meia hora depois, quando o Nido, morador da Rua da Soledade, passou ostentando uma delas, o coro foi ouvido por muita gente:

27!

Imediatamente fomos advertidos pelo alto-falante do Bingo. Seu Manoel entendeu que a nossa contagem era alguma brincadeira para atrapalhar suas chamadas de pedras.

Quando deixamos a praça, às 11h da noite, já tínhamos contabilizado 39 camisas semelhantes, todas com a mesma marca.

Na noite seguinte, com a Esquina recebendo quórum máximo, a conversa ainda era a enchente de camisas Petrodólar na Praça e a reação das pessoas à nossa contagem. Alguém lembrava da expressão de alegria do Nido, o “27”, que sem entender o que estava acontecendo, respondeu risonho:

28!

No exato momento em que o Vadinho citava que havíamos parado a contagem em 39, chega ao local o Biu da Zezé, devidamente agasalhado com uma Petrodólar. A reação foi uníssona:

— De rombo, 40!

Foi pelo Biu que soubemos que uma famosa loja do centro da cidade havia recebido centenas dessa camisa e como não havia vendido nada até dias antes do Natal, resolveu colocá-las em promoção, pela metade do preço.

Não precisa dizer que no carnaval de 1975 a Petrodólar também estava lá, em grande quantidade. Foi a primeira roupa em Alagoas a vestir para dois eventos bem diferentes.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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