Uma guerra não começa com o primeiro tiro
Edberto Ticianeli
A afirmação que titula esse texto pode parecer uma obviedade, mas não é.
Basta ouvir por alguns minutos os analistas da Globo News sobre os episódios envolvendo a Ucrânia para se concluir facilmente que o governo russo é criminoso, antidemocrático e agressivo por ter o seu exército disparado contra alvos do país vizinho.
Será que foi esse mesmo o primeiro tiro? Com todos os meus limitados conhecimentos sobre o assunto, me atrevo a avaliar que não.
Saltava aos olhos que as provocações endereçadas a Vladimir Putin, presidente da Rússia, tinham o claro objetivo de levá-lo a dar o primeiro tiro. Condição necessária para que se iniciasse o bombardeio em outra guerra, a da comunicação, onde facilmente se culpa quem puxou o gatilho pela primeira vez.
Lembram dos duelos em filmes americanos? Quem sacava por último estava se defendendo e assim não era incriminado.
Quem conhece um pouco da história sabe que as guerras nunca começam com o primeiro tiro. Há sempre grandes interesses em conflito. Quando não resolvidos diplomaticamente, tornam-se altamente combustíveis e ficam à espera de uma fagulha para explodir.
Ninguém tem dúvida, atualmente, que o tiro que matou o arquiduque Francisco Fernando da Áustria em 28 de junho de 1914 não foi a causa da Primeira Grande Guerra Mundial. Os impérios, europeus e russo, viviam, há décadas ardentes disputas econômicas entre eles.
Da mesma forma, não foi o “primeiro tiro” disparado pelo exército de Hitler na invasão da Renânia em 1936 que provocou a Segunda Grande Guerra Mundial. O impulso expansionista alemão em busca de matérias-primas para sustentar a retomada do seu crescimento econômico já incomodava a Europa e o resto do mundo.
Atualmente, os mesmos interesses expansionistas, agora dos EUA, trazem desconforto às principais economias, que são controladas pelo dólar e pela constante ameaça militar.
Para se impor na Europa e impedir o avanço russo no pós guerra, os EUA criaram a tal da OTAN, permitindo-lhes estabelecer bases militares nestes países.
Com a dissolução da União Soviética a partir de dezembro de 1991, os americanos cresceram os olhos para os países que escapavam do controle russo, incorporando-os também à OTAN, claro que com a imediata instalação de bases militares nesses territórios.
Mas eis que Vladimir Putin resolve liderar um movimento que soergueu a Rússia economicamente e militarmente, habilitando-a a recuperar o que lhe foi tomado ou, pelo menos, a impedir que continuassem a arrancar de sua órbita os poucos países que sobreviveram ao arrastão “otânico” na virada do século.
Ora, se Joe Biden sabia que havia esse movimento crescente de preservação dos interesses russos e que a tentativa de incorporação da Ucrânia à OTAN significaria claramente uma ameaça a esta política liderada por Putin, podemos perguntar agora: quem deu o primeiro tiro?
Torço para que o conflito não descambe para uma guerra, onde todos perdem.
Como evitar? É fácil: basta os EUA entenderem que não mandam mais no mundo, mesmo tendo o maior arsenal militar do planeta.
Independente de quem seja o Putin e dos interesses russos, não podemos deixar de reconhecer que o reestabelecimento de outro polo de poder serve para neutralizar as aventuras sem limites dos Bidens e Trumps da vida. Isso pode desencorajar sonhos expansionistas, quase sempre os motivos para as guerras.