Armando Telésforo e as obras inacabadas de Caeté do Norte

Edberto Ticianeli

Alfredo Assovio entrou esbaforido no gabinete do prefeito e sibilando pela falta de um dente frontal alertou o seu amigo Armando Telésforo:

— Ele vai chegar amanhã. Estamos lassscadosss!

Ocupando a posição chave de telegrafista do município, Assovio era o cidadão mais bem informado de Caeté.

Tinha um sério problema de Complexo de ZYO-4, uma compulsão em divulgar tudo que sabia. Foi por causa dessa desinibição informativa que ficou conhecido também como “Rádio Difusora”.

— Quem vai chegar amanhã — quis saber o prefeito.

— O fiscal! O fiscal da Caixa Econômica. Vem ver o ginásio e a ponte que eram para estar prontos o ano passado.

O chefe do poder Executivo, sabendo que estava com problemas para explicar o atraso das obras e o “déficit orçamentário” nos recursos para realizá-las, pediu para mandar chamar Rum Montilla, uma figura popular na cidade por sua imensa capacidade de absorção de derivados do álcool.

Depois de dez minutos de conversa com Rum Montilla, estava alegre e satisfeito. Afinal não era a primeira vez que enfrentava situações adversas com o sistema financeiro do país. Lembrava do caso do financiamento para comprar gado e que foi gasto numa camioneta. Para enganar a fiscalização, pintou algumas pedras de branco no meio do mato e de longe dizia ao funcionário da Caixa:

— Aquela embaixo de Imbuzeiro é a vaca Esponja. É só espremer os peitos dela que me dá 10 litros de leite por dia.

Nunca mais teve problemas com a instituição, que ficou imensamente satisfeita com a incrível produção da Esponja.

Na manhã do dia seguinte, com toda a cidade já devidamente informada que haveria a inspeção federal, graças aos assovios do “Rádio Difusora”, formou-se logo cedo um grupo de correligionários na porta da prefeitura.

Quando Aristhides Policarpo desceu do automóvel ficou surpreso com a recepção, mais ainda quando viu o desinibido prefeito Armando Telésforo deixar as suntuosas instalações do Edifício Odete do Cartório, denominação que homenageava a mãe do chefe do executivo, para recebê-lo na calçada:

— Meu caro dr. Aristhides, não vamos perder tempo com “entreâmbulos“. Eu já sei que Vossa Excelência está aqui para conhecer nossas maiores realizações. Quero aproveitar para lhe dizer que hoje também vou vê-las pela primeira vez, tendo a honra de tê-lo ao meu lado.

Dito isso, iniciaram a caminhada até o Ginásio Poliesportivo de Caeté do Norte e a Ponte Presidente Jânio Quadros.

Poucos metros adiante a comitiva encontrou o Padre Alphonso Cansanção e o prefeito apresentou o visitante:

— Padre, conheça o dr. Aristhides, a autoridade “coatora” das nossas obras.

— Não seria coautora, meu filho?

— Isso mesmo, padre. É uma sociedade: eles entram com o dinheiro e nós com o trabalho e o terreno.

Logo após descerem a Ladeira do Sabão, chegaram ao terreno do ginásio, à margem do Riacho Vazio, onde se projetou construir a ponte.

— Não acredito nisso! —, gritou o prefeito ao ver diante dele e de todos as duas construções pela metade.

Olhou para trás e perguntou:

— O mestre de obras que contratamos em Paulo Afonso está aqui?

Imediatamente Rum Montilla foi “delicadamente” empurrado em direção ao prefeito:

— Tô aqui, sim senhor!

— Me explique e ao doutor fiscal porque as construções estão pela metade.

Olhou para Rum Montilla e piscou umas dez vezes para lembrá-lo do acertado.

— Mas senhor prefeito, a obra está completa, o senhor não está vendo?

Foi aí que Aristhides Policarpo se aproximou do “engenheiro” ao perceber que ele usava óculos escuros com somente uma lente. Ficou curioso:

— Por que o senhor usa óculos com uma só lente escura?

— É que sou cego de um olho. Mas enxergo bem do outro e estou vendo toda a obra concluída.

Ao lado, o tranquilo Armando Telésforo fazia cara de vítima.

— Felizmente o senhor está aqui e é testemunha da qualidade do profissional que está no mercado hoje em dia. Como diabos eu ia saber que esse mestre só via a metade das coisas?

Fez meia-volta e liderou a comitiva de volta à Prefeitura, onde ofereceu almoço para o fiscal e demais autoridades constituídas.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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