A história da diplomacia brasileira nos arquivos do Itamaraty
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Muito pouco sabia sobre a vida e a obra do grande brasileiro Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai. Uma conspiração de fiéis e leais colegas e amigos da minha longa caminhada na carreira diplomática me levou a tentar uma empreitada difícil, no início, prazerosa e emocionante no decorrer das minhas pesquisas efetuadas, principalmente, nos Arquivos Históricos do Itamaraty, em sua antiga sede no Rio de Janeiro.
Em 2009, lotado no IPRI, como conselheiro e coordenador daquele Instituto de Relações Internacionais, parte da Fundação Alexandre de Gusmão, meu chefe, colega de turma, e Diretor do IPRI, embaixador Carlos Henrique Cardim, que havia escrito importante monografia sobre Rui Barbosa, convidou-me para um almoço a dois. Disse-me, então, que águas passadas eram águas passadas e que eu deveria escrever nova monografia para apresentação no Curso de Altos Estudos, condição legal para promoção na carreira diplomática.
Já havia apresentado dois projetos: um sobre a inserção econômica, comercial e cultural do Nordeste do Brasil no âmbito da estratégia brasileira de uma futura União Sul-Americana, a partir do MERCOSUL, então praticamente enclausurado no Sul e Sudeste do país, rejeitado sem possibilidade de apelação por se tratar de um “absurdo” retalhar o país em regiões. O segundo versava sobre “A Questão Indígena na América Latina”, com base na minha participação como representante brasileiro na Comissão Indigenista Latino-Americana, sediada no México, onde servi em nossa embaixada. Rejeitada por uma cartinha de três linhas dizendo que no Brasil não existia qualquer “Questão Indígena” e, portanto, não era do interesse da nossa politica externa: dois anos depois Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia.
A terceira vez, que na verdade foi a primeira, foi a rejeição a posteriori de monografia já aprovada sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com a mudança do governo Itamar Franco para as mãos de Fernando Henrique Cardoso: projeto também absurdo de formação de um clube de pobres e africanos.
Por isso a insistência dos colegas e amigos em resistir e continuar. Cardim disse que havia participado de fórum de intelectuais e historiadores promovido pela FUNAG com a participação de José Murilo de Carvalho, ícone de nossa historiografia moderna. José Murilo havia feito uma exortação aos diplomatas brasileiros para pagarem uma dívida da Casa com Paulino José Soares de Souza, fundamental na organização e consolidação da diplomacia e dos pilares fundamentais da política externa brasileira. Essa missão necessitava, a priori, divulgação do seu trabalho entre nossos colegas, quase que exclusivamente focado na diplomacia republicana e no seu patrono, o Barão do Rio Branco.
A ideia foi germinando e crescendo na minha cabeça. Fui a biblioteca em busca de livros sobre o Visconde do Uruguai. Só existiam dois livros: um único e antigo exemplar, quase danificado, publicado em 1944, capa dura azul, com mais de 500 páginas, A Vida do Visconde do Uruguai, escrito por seu sobrinho neto, José Antônio Soares, herdeiro dos arquivos pessoais do seu tio avô, mais tarde doados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O outro era de autoria do próprio José Murilo de Carvalho, organizador e autor de esclarecedora e ampla introdução do livro O Visconde do Uruguai, publicado em 2002 pela Editora 34, em São Paulo.
O livro antigo e danificado de José Antônio Soares foi o gatilho do meu encantamento e paixão pela vida e obra do artífice de nossa diplomacia e política externa no Segundo Império. Esse grupo de colegas e amigos que me incentivavam sugeriram que fosse ao Rio de Janeiro fazer pesquisas no Arquivo Histórico do Itamaraty, o que implicava custos e deslocamentos de Brasília para o Rio de Janeiro.
Fui uma primeira vez, por desencargo de consciência, e passei dois anos da minha vida mergulhado e deslumbrado com as correspondências diplomáticas do chanceler de Pedro II com os principais gigantes do nosso corpo informal de diplomatas do império, entre os quais os Viscondes do Rio Branco, o Visconde de Sinimbu, o Barão de Penedo, estes dois últimos meus conterrâneos de Alagoas.
Já não se tratava mais de escrever uma monografia para ser aprovado em busca de promoção e continuação na carreira. Tratava-se de um desejo profundo de reviver aquela época de esplendor da nossa diplomacia e da nossa política externa. Uma obsessão que me levou a imaginar e a ver como real o Brasil e sua inserção no mundo nos anos de 1849 a 1853.
Uma saga, uma epopeia sobre a formação e a construção do Brasil pelas mãos de uma dúzia de brilhantes diplomatas do Império do Brasil. Eu tinha a obrigação de contar aos colegas da Casa, e aos brasileiros, parte da vida e das ações desses homens que repousavam em silêncio nos Arquivos Históricos do nosso querido Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro, patrimônio histórico de nossa alma brasileira.