Marietta Baderna, a bailarina italiana cujo sobrenome virou sinônimo de “bagunça” no Brasil

*Extraído da excelente página Pensar a História – https://twitter.com/historia_pensar – https://www.facebook.com/pensarahistoria

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Nascida em 5 de julho de 1828 na cidade de Piacenza, na Itália, Marietta era filha do médico Antonio Baderna. Desde criança, Marietta nutria o sonho de se tornar bailarina, o que se concretizou com sua estreia nos palcos de Piacenza aos doze anos de idade. Aprendiz do coreógrafo Carlo de Blasis, Marietta não tardou em se destacar na arte da dança: ainda adolescente, tornou-se membro do corpo de baile do Teatro Alla Scala de Milão e, aos 19 anos, viajou para a Inglaterra, onde se apresentou em uma temporada de sucesso no Covent Garden.

 

Se a carreira profissional de Marietta deslanchava, o mesmo não poderia ser dito de seus ideais políticos. Marietta e seu pai eram republicanos, partidários das ideias do revolucionário Giuseppe Mazzini, que havia sido derrotado por monarquistas e conservadores austríacos na malsucedida Revolução de 1848. Sem subir aos palcos desde que a arte dos teatros fora banida da Itália por determinação dos ocupantes austríacos e sofrendo perseguição política em sua terra natal, a bailarina decidiu se mudar para o Brasil, onde desembarcou com sua família em 1849.

 

Estabelecida no Rio de Janeiro, Marietta Baderna recebeu convite para se apresentar com sua companhia no Teatro São Pedro de Alcântara (hoje Teatro João Caetano). Seu talento encantaria imediatamente a elite carioca, que passou a lotar os assentos da plateia para assisti-la. A lua de mel, entretanto, duraria pouco tempo. Os hábitos “transgressores” da bailarina logo se chocariam com os valores da sociedade conservadora e escravocrata do Império Brasileiro. Marietta Baderna gostava de festas e, não raramente, saía sozinha à noite para frequentar os bailes populares. Namorava, bebia e dançava madrugadas adentro. Mas o comportamento de Marietta que mais escandalizava sinhôs e sinhás era o fato de que a bailarina estabelecia laços de amizade com os negros escravizados. Frequentava os rituais, as rodas de lundu e umbigada e dançava junto com os cativos, tornando-se uma admiradora da cultura afro-brasileira.

Marietta passou a incorporar elementos dos ritmos africanos em suas apresentações nos palcos cariocas — de passos do lundu aos gingados da cachucha. E os populares com quem fazia amizade — trabalhadores braçais, negros escravizados e alforriados, vendedores ambulantes — passaram a frequentar as sessões abertas do Teatro São Pedro para prestigiar a bailarina, a quem chamavam de “Maria Baderna“. Quando entrava em cena, seus admiradores – ditos “baderneiros” – faziam uma algazarra. Aplaudiam efusivamente, batiam com os pés nos chãos, assobiavam, gritavam o seu nome — chocando a aristocracia na plateia, acostumada com a reverência silenciosa dos espetáculos artísticos.

 

A presença de trabalhadores braçais, negros escravizados e libertos na plateia — normalmente reservada ao usufruto da aristocracia carioca — e suas manifestações efusivas logo começaram a incomodar a sociedade pudica e elitista do Império. Aos poucos, os convites para que a companhia de dança de Marietta Baderna se apresentasse foram escasseando e a bailarina passou a ser boicotada, sendo escalada somente para papeis secundários no Teatro São Pedro. Seu sobrenome passou a ser associado à bagunça, desordem e depravação. Quatro anos antes de seu falecimento, ocorrido em 3 de janeiro de 1892, o dicionário de Antônio Joaquim de Macedo Soares se tornaria o primeiro a registrar o sobrenome da “bailarina do povo”: baderna era, então, sinônimo de “súcia dançante“.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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