O Sopro do Saxofone

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Era assim que eu me sentia: a brisa batendo no rosto, céu estrelado, lua cheia, música na beira da piscina. Sem música, o mar batendo na areia e os ventos alísios inventando outras músicas. O teclado de Sula e a guitarra de Mirandinha. Cigarro aceso, o som do sax: lamentando a solidão, a timidez e a pulsão sempre inacabada de sexo e vida. No contraponto da pianola elétrica e do cego que enxergava o som, a pulsão da morte que se nunca chegou, dia ou noite há de chegar, e sair voando no vento, na beira do mar.

Era assim que eu me sentia na cave enfumaçada de Paris, whisky com Coca-Cola, mania de francês, conhaque e cigarros Gauloises sem filtro. O som do saxofone brilhando como metal nas pernas negras descendo as escadas. Debaixo da calçada, debaixo da terra, a bateria alucinada fazendo solos. Noite, sempre a noite trazendo a solidão, os encontros, sexo e suor, ansiando pela madrugada e por uma suave bossa nova no violão e no piano.

Era assim que eu me sentia, caçador de beleza e prazer. Sonhando com a pele suave e os cabelos do amor. O amor tem pele e cabelo; não é apenas uma metáfora do que não é. Existe na mesma dimensão da música.

Era assim que eu me sentia, cigarro atrás de cigarro, tímido como a virgem Maria na noite da anunciação. Sacrilégios. Pureza da alma e a lua gotejando pérolas de sangue nas sarjetas. Noir como um bom romance policial. A morte de Piaf: “Je Ne Regrette Rien”.

Qual a melhor parte da noite: o sexo, o whisky ou o cigarro? Sem dúvida, para o menino tímido, o whisky, o sexo e o cigarro; nessa ordem de acontecimentos. E o amor? Será que existe ou é apenas o som do saxofone e o toque no piano que me faz acreditar que estou em Casablanca.

Quando você não sabe o que fazer ou no que acreditar, você cheira e beija, respira fundo e suspira ao som de um blues arrastado e melancólico: o som de um sax saindo da boca negra da noite, bêbada, dançando na neve. Tanto faz ser Paris, Nova Iorque, Berlim, Moscou ou a Serra da Mantiqueira; o que importa é a voz saindo silenciosa do coração, dançando na rua, sentado sozinho, tímido e puro, olhando você, de longe. Vou te contar… o resto é sax. Luar e vento, na boca do mar. Wi-Fi sem filtro.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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