O camarada Biu de Lira
Edberto Ticianeli
jornalista
Conheci o Benedito de Lira quando estudei no Colégio Élio Lemos. Ele era um dos funcionários que cuidavam da disciplina dos alunos fora das salas de aula e responsável pela secretaria.
Depois, tive vários contatos com ele por causa da política. Num desses encontros, ele se referiu a mim como “camarada”, lembrando minha então filiação ao PCdoB. Retribui dizendo que éramos mesmo “camaradas”, pois conhecia a ficha dele no SNI. Ele riu muito e perguntou como obtive tal dossiê. Expliquei que tinha sido fruto de uma pesquisa sobre a repressão policial durante o regime militar.
Ficou curioso em saber o que tinha nessa ficha. Garanti que era o suficiente para nos tratarmos como “camaradas”. Rimos juntos e o tranquilizei dizendo que somente divulgaria essas informações quando não mais pudessem interferir em sua carreira política. Ele me liberou para usá-las, mas preferi mantê-las nos arquivos.

Como hoje, 14 de janeiro de 2025, o “camarada” Biu de Lira partiu, acho que posso divulgar a razão de tal tratamento.
No documento do SNI, datado de 14 de novembro de 1984 e com carimbo de CONFIDENCIAL, consta que era filho de Manoel Pereira Filho e de Francelina Maria da Conceição. Nasceu em Junqueiro, Alagoas, no dia 1º de maio de 1942, onde foi vereador em 1966.
Mas, o que importa mesmo para esse depoimento é o que está escrito sob o título “Atividades Subversivas”. Vou transcrever os três pontos:
— Em 1960/63, como aluno do Aprendizado Agrícola de Satuba/AL, foi sempre o cabeça de todos os movimentos esquerdistas irrompidos naquela escola, a ponto de provocar o seu fechamento. Trabalhou no jornal comunista VOZ do POVO, extinto em 1964.
— Em 1964, foi preso pelo DOPS/AL, não sendo indiciado em IPM graças a interferência do Arcebispo de Maceió, D. Adelmo Machado.
— Como estudante de Direito, desenvolveu intensa campanha esquerdista, juntamente com outros subversivos, anteriormente à Revolução de 1964.
Mesmo militando politicamente em campo oposto ao dele, sempre mantive com o “camarada” Biu de Lira uma relação respeitosa, no que era retribuído. Quando nos encontrávamos, sempre surgia a conversa sobre o seu passado como atuante líder estudantil.
Ao prestar-lhe esta homenagem, revelando sua participação política quando ainda jovem, envio também condolências aos seus familiares e amigos.
Vá em paz, “camarada” Biu de Lira.
Esse Ticianeli é um poço sem fundo de memórias.
Se ou não de glórias, não duvidemos das histórias.
Ticianele, como é bom ler o que você escreve.
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Achei interessante a interferência de Dom Adelmo Machado