Quinino com whisky
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Na década de 70 do século passado todos os diplomatas brasileiros que eram designados para servir em postos africanos recebiam a orientação do serviço médico do Itamaraty para tomarem diariamente Nivaquine, medicamento francês produzido a partir do mesmo Quinino que está na base da Cloroquina.
O quinino evitaria a malária, doença ainda endêmica até hoje no continente africano, apesar dos esforços de décadas em busca de uma vacina, inclusive em parceria inédita iniciada em 2006 entre Brasil e Estados Unidos, promovida pela ABC — Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty.
O que nunca ninguém me disse claramente foi o fato de que a Nivaquine, tomada a longo prazo, — o que era o meu caso —, causava danos ao fígado e à visão, podendo causar cegueira. Assim, servindo na Embaixada do Brasil em Abidjan, entre os anos de 1977 e 1980, tomei o milagroso medicamento colonial francês que evitaria a malária.
Uma bela manhã de sol de um lindo domingo azul e extremamente quente e úmido lá estava eu na piscina do Hotel Ivoire quando, de repente, senti um frio siberiano que me perpassava do dedão do pé ao último fio de cabelo.
Comentei com uma amiga que estava com muito frio. Ela levou a mão à minha testa e disse: —Está queimando em febre, bem-vindo à África —. Não acreditei no que estava acontecendo e repliquei que estava tomando Nivaquine todos os dias.
Com calafrios, fui para casa assustado e pedi socorro ao então chefe do Posto, Embaixador Marcos Coimbra, explicando o que estava sentindo. Coimbra me pediu para ficar em repouso e disse que viria me buscar para irmos juntos, com Leda à residência do jovem e simpático “Doctor David”, médico da embaixada norte-americana em Abidjan e amigo do casal Marcos e Leda Coimbra.
Levaram-me para a residência do doutor David, que dedilhava o piano quando entramos. Relatado os sintomas, David foi ao bar, ofereceu meio copo de whisky para cada visitante e me pediu para ingerir o líquido dourado escocês. Pensei com os meus botões: — Esse cara é um irresponsável —. Deu umas tapinhas nas minhas costas e disse: — Pode tomar. Vai melhorar.
No outro dia eu já sentia a temperatura equatorial de Abidjan. O inverno siberiano havia passado junto com a febre e os calafrios.
Aprendi uma lição: a Nivaquine não evitava e nem curava a malária. Mitigava os seus efeitos, entre os quais talvez a morte. Mas poderia, a longo prazo, lhe cegar e também afetar gravemente sua audição.
Joguei a Nivaquine na lata de lixo e nunca mais a tomei. Graças a Deus, nos meus três anos de posto em Abidjan só tive uma segunda crise de malária, leve e bravamente combatida com meio litro de whisky, conforme prescrição do doutor David. Black Label.