Enchentes, enxurradas e desabamentos: por que cuidamos das consequências e não das causas?
Edberto Ticianeli
Foto de Sandro Lima / Jornal Tribuna Hoje.
As torrenciais chuvas do final de maio e início de junho deste ano trouxeram destruição, mortes e novamente para as manchetes dos noticiários a constatação de que é possível se adotar algumas medidas que evitem desastres desse tipo.
Quem critica os governantes, repete até à exaustão, e com razão, o ensinamento do velho ditado: prevenir é melhor do que remediar. Algo que no Brasil, lamentavelmente, só funciona na área da saúde, em parte graças ao nosso Sistema Único de Saúde.
Os que abordam o assunto com mais profundidade concordam que a dedicação à prevenção é quase nula se comparada com a energia canalizada para as ações que tratam das consequências.
Arrisco dizer que esse já é um comportamento agregado à nossa cultura. Vou dar alguns exemplos para justificar essa assertiva.
Quem passa pela Leste-Oeste, nas proximidades do cruzamento com a Rua General Hermes, em Maceió, e observa a barreira do Bolão, constata de imediato que as moradias na cabeça daquela formação estão em risco. Aliás, há alguns anos uma tragédia com mortes já ocorreu ali.
Alguém pode me citar se houve ou se há alguma campanha para a relocação daqueles moradores? Existe algum projeto de estabilização de encosta sendo executado?
Entretanto, se amanhã, por exemplo, acontecer algum desastre por falta de prevenção, teremos de imediato inúmeras ações, sempre bem-vindas, impulsionadas pela solidariedade humana. Surgirão dezenas de campanhas para recolhimento de doações de roupas e alimentos para os atingidos.
Essa mesma solidariedade é invocada diariamente, na Globo News, em várias campanhas de arrecadação de dinheiro para que ONGs realizem atendimentos médicos de crianças em países africanos.
Mas a Globo não promove, por exemplo, uma cruzada para exigir que os países ricos — muitos deles às custas da miséria africana — invistam no desenvolvimento econômico dessas nações, permitindo que, com dignidade, tenham seus sistemas de saúde e assim não precisem de “doações”.
Da mesma forma cuidamos dos nossos irmãos jogados nas ruas. Nos empenhamos facilmente em nobres e válidas campanhas para agasalhá-los e alimentá-los, mas não participamos de nenhuma mobilização para prevenir o desemprego — a causa —, ou pelo menos para que haja assistência digna aos que se encontram nessa situação.
Estamos cansados de saber que os problemas são resolvidos em suas causas e não somente cuidando das consequências. Por que então não agimos assim?
Constato que cuidar das consequências desperta mais reconhecimentos. Lembram daquela máxima do mundo da política que diz que obra enterrada não dá votos? Atuar sobre as causas equivale às obras enterradas das gestões públicas: não conquista a dívida emotiva, a gratidão.
Essa é a cultura dominante. Tomemos como exemplo as igrejas que oferecem curas milagrosas. Nelas, a divindade raramente é invocada para prevenir a enfermidade. Não se saberia se o mal veio e foi eliminado ou se não nem chegou a ameaçar. Provoca mais gratidão oferecer o milagre da cura.
Como avalio que a causa última de muitos dos problemas está na ausência de uma correta atuação do Estado, advogo que a solução está na esfera da Política e é nesse campo que deve acontecer a participação dos que querem extirpar o mal pela raiz.
E por que isso não acontece? — insisto. Houve, e há, uma campanha muito bem orquestrada para demonizar a política, transformada num ambiente deletério.
Os que mais investiram nesse discurso foram os que tiraram proveito dessa situação para se alcançarem ao poder. São os políticos travestidos de “não políticos”. Destes, não se espera que cuidem das causas e nem das consequências.
Pura verdade.