Partida

Lúcio Verçoza

Na estrada havia uma poça. Nela, refletia o céu. No céu havia estrelas. Nelas, refletia a poça. Coloquei minha cabeça entre a poça e as estrelas, e me vi refletido nelas. Tirei minha cabeça e caminhei pela estrada, e as vi refletidas em mim.

Foi isso que Saúba me disse. Foi isso que ele sentiu quando deixou a morada e os pais no Engenho do Gamelo. Era madrugada, sem lua, e Saúba seguiu caminhando. Queria ser homem de bigode. Queria ser homem que faz o seu caminho sem medo do amanhã incerto.

Um bacurau cantou. Saúba se arrepiou de medo. Não estava partindo por orgulho, ainda que fosse orgulhoso, estava partindo porque precisava partir a si mesmo para se tornar um adulto. Era assim que ele sentia. Foi assim que seu pai o fez, quando cresceram as primeiras penugens de bigode.

Na bolsa de couro levava farinha d’água com banana. Na cintura, uma faca de cortar tabica. Na cabaça, água do poço. Na cabeça, o chapéu. No chapéu, abas e nas abas sonhos maiores que o medo.

Ao falar sobre esse dia, Saúba sorriu para mim, como quem sorria para si. Nesse exato instante, uma coruja piou, e Saúba não se arrepiou de medo. Continuou sorrindo como quem guarda o segredo do piado. Eu não perguntei mais nada, apenas admirei as estrelas e a poça refletidas no sorriso dele.”

*Publicado originalmente na Coluna Balaio do Oricuri no jornal “A Voz da Povo”. https://www.vozdopovo.org/partida/

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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