Sensações do cotidiano
Sérgio Braga Vilas Boas
Em conversa com amigos, a impressão que passam é a de que repentinamente o mundo se tornou um misto de muita ignorância, um tanto de ridículo, um tanto de vigarice, somados a um bocado de vergonha alheia.
Mas, na verdade, tudo isso sempre esteve por aí. Todavia seus próceres não eram emissores, ou se eram, alcançavam apenas a aldeia. Não lhes era dado espaço suficiente para que pudessem inundar o mundo com suas ideias – se é que se pode chamar essa coisa de ideia.
A ignorância sempre grassou, assim como o ridículo, a vigarice e a vergonha alheia. Por incrível que pareça, foi a ciência que trouxe à tona o acumulado da fossa séptica durante décadas, para a estupefação de muitos e o deleite de muitos mais que passaram a encontrar parceiros de habitáculo na superfície. O avanço formidável das comunicações, e no seu rastro o surgimento e aperfeiçoamento das redes sociais onde não há controles, em que todos sem exceção são emissores, nos mostrou essa realidade até então submersa.
Abraçamos uma nova era. A era dos “coaches”, “influencers”, pastores midiáticos, e outros rastaqueras. Um momento talvez ímpar na história! Opiniões, conselhos, ética, moral, religião, diabetes, sexo, futebol, patrulha. Uma verdadeira torrente de emoções capaz de causar de gargalhadas incontroláveis a infartos no miocárdio, de tão inúteis e ridículas que são, salvo raríssimas e honrosas exceções.
Há alguns anos participei de um congresso da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos), em Brasília. Certa altura, uma palestrante, de cabelos esvoaçantes e terninho última moda, sacou um violão, começou a tocar, e pediu para todo mundo dançar e pular. Era uma renomada “coach” cujo nome fiz questão de esquecer. Fui embora tomar uma cerveja no Armazém do Ferreira, um dos melhores bares de Brasília, do saudoso Jorge Ferreira.
Outro dia, passeando pela Internet, resolvi assistir a uma “exibição” de um desses caras. Um homem de cabelo e barba cortados à Leônidas, Rei de Esparta, vestido em terno apertadíssimo, agachado com uma mão tocando o chão, e proferindo urros guturais como se estivesse a falar algum dialeto da ilha de Java do ano 10.000 AC. Cena visceralmente patética, seguida com esmero pela assistência.
E os influencers? Ah, esses merecem também um capítulo à parte. Tem deles para todos os gostos e vontades, falando sobre qualquer coisa, da qual não entende absolutamente nada, assim como os coaches. Ser reconhecido como coach ou influencer é mais gratificante que ganhar o prêmio Nobel. Acumulam milhões de seguidores em redes sociais.
Outro dia, há algum tempo, uma mulher quis entrar num evento que exigia convite. O segurança, naturalmente, lhe pediu que apresentasse o dito cujo. A mulher retrucou: “eu sou a Kéfera, influencer”! O homem não deu a mínima para a Kéfera, o que interessava era o convite. Imaginem Kéfera, com zilhões de seguidores nas redes, não ser reconhecida pelo segurança, que ainda por cima lhe exigiu o convite.
Vamos aos pastores neopentecostais. Será que é possível imaginar uma cena com Martinho Lutero assistindo a um desses cultos hoje? Imaginem Lutero sentado à primeira fila vendo pessoas falarem “em línguas” — algo do tipo shararabá, sharará, pitchu, mitchu, mamama, mimimi, caracatacá, etc. —; pessoas recebendo uma tal de unção e caindo ao chão num simulacro de ataque epilético; pessoas rodopiando e girando os braços feito hélices de ventilador e correndo desesperadamente por dentro da igreja, se jogando ao chão no final. Pragas proferidas, pedidos exasperados de dinheiro, e falas sem tempo para respirar com vozes guturais feito algum moribundo de asma. Conseguem imaginar?
Ah, impossível não dizer alguma coisa sobre a qualidade das músicas. Bem, sempre houve música ruim, de má qualidade, em todos os tempos. Mas as de agora são inesquecíveis. Lembro da Lourdinha, que fazia o café lá na lanchonete do CESEC-Maceió, Centro de Processamento do Banco do Brasil em Alagoas, onde trabalhei por cerca de dez anos. Elegemos seu café como “o melhor café ruim do Brasil”. Dentre todos os cafés ruins, o da Lourdinha era o pior (quer dizer, melhor). O mesmo acontece com música, dentre todas as músicas ruins já feitas até hoje, as de agora são imbatíveis, capazes de gelar a lava de um vulcão em erupção de tão ruins. São as melhores músicas ruins já feitas!
Será que o século XXI ficará marcado pelo formidável avanço da ciência nas comunicações e pelo indescritível encurtamento de distâncias que isso causou, ou pela surpreendente descoberta de que, passados seis mil anos de civilização, ainda há mais imbecis e vigaristas entre o céu e a terra do que jamais poderia imaginar nossa vã filosofia?
Eu nunca vi tal coisa , nem chamando a MARGARIDA, como o cavalo do Meu vizinho Robério , e sintetizando com a saudosa fala de Seu Luiz Pereira , do pinheiro , proclamando aos 4 ventos : A minha parte eu quero em dinheiro”
Pronto