Terceira via?

Sergio Braga Vilas Boas

De onde menos se espera, daí é que
não sai nada. (Barão de Itararé).

O mundo formal da política tem como um dos ardis mudar o nome do que já existe enquanto ideia, sem mudar efetivamente a ideia, e, de quebra, apresentá-la como uma coisa nova sendo a mesma coisa que todo mundo já viu, mas em geral não percebe.

Partidos mudam de nome, mas continuam sendo os mesmos. Como um réptil, se desfazem da pele antiga sem vestir outra, pois já havia outra novinha por baixo da velha, em seus mesmos moldes, que começa a aparecer nova e brilhante.

No rude mundo animal, as presas reconhecem nele o mesmo réptil de sempre. Mas cá entre nós, os humanos, isso não acontece, ou demora um tempo longo para a acontecer.

Quando, no início da década de 70, a Social-Democracia começou a ser derrotada nas principais economias europeias pela narrativa neoliberal acerca do estado endividado, inchado e ineficaz, pôs-se a pensar.

Após longo período de hegemonia — desde o fim da II Grande Guerra —, os sociais-democratas perceberam que começava a predominar a ideia que o principal eram os indivíduos e suas famílias e não a coletividade/sociedade.

O primeiro movimento foi a adesão paulatina aos princípios ortodoxos do liberalismo econômico, abandonado em parte o mapa traçado por Keynes. Assim surgiu uma outra via.

Essa mudança é muito interessante e ao mesmo tempo complexa, pois acontece de forma diferente conforme a região ou país que a adotou.

E, como uma onda, essa “nova” opção começa a varrer tudo pela frente como se não existisse possibilidade de contraposição.

Na Inglaterra, no final da década de 1990, surge Tony Blair, do Partido Trabalhista, inflando a tal Terceira Via e vence as eleições após mais de uma década de hegemonia do Partido Conservador com Margareth Thatcher e John Majors.

O que seria a Terceira Via? Na Inglaterra era a Social Democracia, que aderia à ortodoxia liberal, porém, todavia, contudo, com, em tese, as mesmas preocupações sociais. Ou melhor, era o velho trabalhismo inglês que tinha saído do centro e dado um passo à direita. Blair vestiu o conservadorismo com uma bandana e tênis Nike, começou a sorrir, deu-lhe o nome de Terceira Via.

Muita mais tarde, Macron, na França, contra o desastre de Hollande e a mesmice de Sarkozy, se apresenta como a Terceira Via. Uma espécie de direita “Prét-à-Porter”. E isso aconteceu em muitos lugares, e obviamente, como já disse, em cada lugar de um jeito.

Por aqui, resumindo ao máximo, a direita cansada do PT, viu o tal “centro” (terceira via) naufragar em 2018 e aderiu, alguns ruidosamente e outros envergonhadamente, ao sombrio capitão Bolsonaro, de exemplar serviços restados à psicopatia e à canalhice.

Não imaginaram que todo o ardil iniciado com o mensalão, depois lava-jato, etc., levaria às ruas um ódio incontrolável contra tudo e contra todos, inclusive eles.

Esqueceram providencialmente que Lula, depois seguido por Dilma, havia feito governos ao centro, com ortodoxia fiscal cumprida com maestria, coisa que a direita jamais havia feito; com vultosos superávits primários que sempre garantiram à banca os seus pagamentos em dia; com a conquista do tal “grau de investimento” jamais conseguido por governos de direita; com o equilíbrio das contas externas e o Brasil passando a credor do FMI; mantém a dívida pública interna líquida em patamares inferiores a 50% do PIB, chegando a ótimos 35,33% no auge da crise política e econômica da sua gestão, no início de 2016.

As reservas internacionais desse período chegam a cerca de 380 bilhões de dólares, patamar jamais alcançado por qualquer governo à direita.

Isso tudo com uma gama de programas sociais inclusivos que retiraram o Brasil do mapa da fome e que vieram a ser referência internacional no combate à pobreza.

A coisa começou a ruir quando resolvemos adotar o receituário neoliberal com Joaquim Levi, que depois que o Brasil entrou em recessão, abandona o “Barco” a foi pro Banco Mundial.

Agora vem esse papo velho fedido e bolorento de Terceira Via, de novo!

O tal do centro político, que busca alguém entre os “extremos” representados por Lula e Bolsonaro. Parece que simplesmente querem vestir o hábito de Irmã Dulce em Luciano Huck, Dória, Eduardo Leite, Kassab, Rodrigo Maia e Mandetta, criando uma nova ordem, a das Beneditinas da Cara de Pau, acompanhadas pelo novo diácono Ciro Gomes (por quem nutro simpatia de graça).

Para quem tem apenas um neurônio está claro: Lula é o centro!

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “Terceira via?

  • 5 de abril de 2021 em 17:44
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    Corretíssimo o contexto desse texto.

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