A sangria desatada e o doutor Arthur
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Quatro mil duzentos e noventa e dois cadáveres embrulhados em 24 horas no Brasil no dia 6 de abril de 2021. Dados oficiais: o que significa que pode ter sido o dobro levando em conta as mortes nas favelas urbanas e nos confins dos matagais, sertões e florestas do lábaro estrelado do Brasil.
No mesmo dia, mais uma vez, o capitão Comandante em Chefe das Forças Armadas do Brasil zombou da situação negando gravidade na sangria desatada que jorra do corpo do país e disse que acabava em minutos com esse vírus.
Dois minutos foi o tempo em que o Messias multiplicou as cestas de pães e peixes para a multidão de seguidores que contemplaram, aos seus pés, o milagre da multiplicação.
Os políticos, onde quer que atuem, sempre se consideraram mais espertos do que os comuns dos mortais. Geração após geração aprenderam dos seus pais, avós e padrinhos que, para derrotar os seus adversários faz-se necessária a desconstrução de suas imagens, a fritura em fogo lento e uma lenta e contínua sangria até a chegada das eleições, momento em que finalmente se aplica o garrote vil e se entrega na bandeja a cabeça do derrotado aos eleitores que lhe concedem o Poder e a chave do Reino.
Alagoas, minha terra natal, vítima de desconstrução mais ampla, foi alcunhada de “República das Alagoas”, no governo de Fernando Collor de Mello, anátema para as oligarquias das grandes, populosas e ricas unidades da nossa desigual Federação de Estados.
Um absurdo esse Estado: três presidentes da República; presidência do Senado e, agora, presidência da Câmara dos Deputados, com a chave do impeachment nas mãos.
Sinto muito pela situação desconfortável em que se encontra o meu conterrâneo, deputado federal Arthur Lira, que ainda não sabe o que fazer com essa chave que caiu em suas mãos.
Faz parte de uma nova geração de políticos que sucederá àqueles que já estão com o pé na cova, mas ainda não largaram o osso.
Espremido entre a lealdade aos velhos ou a proeminência entre os novos. Entre ser arrastado para a cova juntamente com Valdemar da Costa Neto, Roberto Jefferson, Ciro Nogueira, Gilberto Kassab e o Messias Bolsonaro, ou dar um nó em pingo de água e realizar saltos mortais como mico de circo e cair de pé no picadeiro do circo político.
O seu colega, bem falante e bem apessoado, presidente do Senado, mesmo com as vantagens culturais da herança mineira que lhe passaram as raposas felpudas do Império e da República, já foi, ou está sendo papado pelos lobos vorazes da máfia nacional dos grandes chefões da política brasileira.
Arthur Lira tem, é o que dizem em Alagoas, instintos híbridos de raposa e de lobo. Casos raros na fauna da política. Os chefões delegaram a ele a chave do impeachment. Aparentemente só para manter a fritura e a sangria até as eleições de 2022.
Os milhões de robôs virtuais do bolsonarismo já preparam suas peças de desconstrução e degola do presidente da Câmara, caso ele queira mudar para o vermelho, o famoso sinal amarelo que entrou para os anais da história do Parlamento brasileiro.
Quem atacar primeiro vence. Simplesmente porque estamos em meio a uma fogueira alastrada e com sangria desatada inundando de cadáveres os hospitais e cemitérios do país.
Pagar para ver.