O barbeiro da Ponta Grossa e o caso da porca prenhe

Edberto Ticianeli

Que nas antigas barbearias sempre havia pelo menos um mentiroso entre seus frequentadores, não se duvida. Em algumas, quando o barbeiro tinha participação ativa na brincadeira, a concentração de loroteiros era maior ainda.

A barbearia do “seu” Sabino, vizinha ao Cine Lux na Ponta Grossa, se enquadrava perfeitamente no segundo caso.

Sempre conversando alegremente com os clientes, o pai do Ronaldo, Roberval Moura, Rosilda e Hilda transformou a sua arte de contar histórias sem pé nem cabeça numa espécie de marketing do seu negócio.

Era um mestre nesse recurso e assim conseguiu eternizar algumas “histórias”. Raro era o morador do bairro que não conhecia pelo menos uma delas.

Uma dessas, para mim clássica, veio ao mundo naquela quente manhã de verão em Maceió, quando o salão estava lotado de moradores da vizinhança, leitores gratuitos dos jornais do dia.

Pouco se conversava enquanto os impressos, devidamente desencadernados, circulavam de mão em mão. Aqui e ali, ouvia-se somente comentários sobre o preço da carne e a última contratação do CSA.

“Seu” Sabino, cansado de ouvir aquela pouca conversa, resolveu animar o salão enquanto passava a navalha no pescoço de um cliente.

— Amigos, estou muito preocupado com a porca prenhe que estou criando no quintal.

Os olhares se dirigiram para ele, com alguns rostos já expressando ar de riso, como se dissessem: “Lá vem mais uma das histórias do Sabino”.

Ele percebeu o clima de desconfiança e tratou de fazer a cara mais séria que conseguiu àquela hora da manhã.

Com a máxima tristeza que sua voz permitiu, disse:

— É sério. Acho que vai morrer ainda hoje pela manhã. Ela está para parir e geme desde ontem.

— Mas porque você acha que ela vai morrer? A porca prenhe geme assim mesmo antes de parir —, perguntou Bila, um representante comercial e também morador da Rua Santo Antônio.

— O problema, meu amigo, foi que ontem quebrei uma garrafa de cerveja durante o almoço e Anunciada, minha mulher, botou os cacos num canto do quintal e quando foi apanhá-los para jogar fora não estavam mais lá, a porca tinha comido tudo.

Fez-se silêncio respeitoso. Realmente a morte do animal era uma possibilidade mais que plausível e Sabino tinha razão em estar tão preocupado.

Um minuto depois, parou o serviço, colocou a mão em concha atrás da orelha e a apontou para o corredor da casa.

Anunciada, você reparou que a porca parou de gemer? — gritou para sua mulher.

Sem esperar resposta, largou a navalha sobre a bancada e apressadamente caminhou para o interior da sua residência.

A essa hora, o clima na barbearia era de velório de animal (não sei se existe isso, mas foi o que encontrei de melhor para descrever a situação). Trocavam-se olhares tristes, ao mesmo tempo que a curiosidade ia tomando conta de todos.

Não demorou muito e Sabino voltou com um largo sorriso no rosto. Alívio geral.

— E aí, Sabino, a porca está viva? — quis saber o dr. Osmário, que ainda não imaginava que um dia seria delegado de Polícia.

— Tá sim, ela e os porquinhos, tudo vivo!

— Que sorte que os cacos de vidro não mataram ela. É bom agora ver como ela vai botar eles pra fora.

— Já botou pra fora! – garantiu Sabino.

— Como?

— Os porquinhos nasceram tudinho de óculos escuros.

Gargalhada geral. O velho barbeiro tinha se superado.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

4 comentários em “O barbeiro da Ponta Grossa e o caso da porca prenhe

  • 12 de abril de 2021 em 09:37
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    Kkkkkk,
    Sensacional Edberto uma lembrança maravilhosa.
    Conheci seu Sabino e todos da sua família.
    Amigos de verdade e inesquecíveis.
    Foi um privilégio conviver com eles.
    Paulo Lima

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  • 13 de abril de 2021 em 15:14
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    Muito boa lorota! Kkkkk
    O delegado Osmário ainda mora na ponta grossa. É meu vizinho. 👏👏👏👏👏👏👏

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    • 14 de abril de 2021 em 22:33
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      Que maravilha, meu padrinho era um ilustre contador de histórias , muito conhecido no bairro da Ponta Grossa por sua genialidade com as palavras . Ainda tinha à da Porca de Bié comendo pneu. Uma resenha. Parabéns pela lembrança genuína.

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