Liquidificador
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Foi um tiro no pé e um nó no cérebro tentar entender aos 12 anos de idade O Ser e o Nada, de Jean Paul Sartre. Afinal quem é o outro. A parede. O nada sou eu ou o outro. Mais fácil ler os poemas de Baudelaire, Rimbaud e Boris Vian.
Mais fácil ainda ler e ser O Estrangeiro de Albert Camus, este ser iluminado pelas estrelas do deserto da Argélia. Aprendi outro dia que a palavra hostil no latim clássico significava estrangeiro. O outro. Sempre o Ser e o Nada.
Aprendi também que a palavra proletário não tem nada a ver com comunismo, Marx, Engels ou Lênin. Proletário no latim clássico significava aquele que não tem nada a dar à comunidade, apenas filhos, a prole. Fato tão comum nos dias de hoje por aqui e pelo resto do mundo. Um mundo de proletários.
Quase me suicidava na época em que fui um seguidor ativo de Sartre, Camus, Beuavoir e de toda aquela patota existencialista do Deux Magots e do Café de Flore. O que me salvou foi Dali, Gala, Genet, Breton, Magritte e o Cão Andaluz.
Minha cabeça transformou-se em um gigante milk shake viajando no espaço sideral. Foi Barbarela quem me segurou em seus braços. Com Jane Fonda pregada nos meus olhos atravessei os fundos do Cine São Luiz, subi a Ladeira da Catedral, fui dormir em minha cama de solteiro e saí do meu corpo aos 17 anos, atravessei paredes, fiz um passeio por minha rua e voltei ao meu corpo.
Procurei um psiquiatra que me receitou um medicamento chamado Mutabon. Resultado: dormi em pé em plena Praça Deodoro em Maceió. Fui a outro psiquiatra que me recomendou jogar fora o remédio, tomar banho de mar e arranjar uma namorada. Fiquei curado. Nunca mais saí do meu corpo. Mas nunca deixei de ter a sensação de que estou dando voltas em torno do sol plantado no planeta terra. Este ano, completei 68 voltas.
Onde vou chegar ainda não tenho a menor ideia. Talvez em um admirável mundo novo ou em um eterno buraco negro. Gostaria muito de ser um coral ou um cavalo marinho, mas admito também ser apenas parte da radiação de Hawkins.
Queria muito ver Deus. Estar com ele e me queixar. Reclamar. Reclamar muito. Por que tanta maldade neste quadro pendurado na parede do Universo?