A ditadura perfeita
Miguel Gustavo de Paiva Torres
*Capítulo do livro Memórias do México, em andamento.
Quando secou o rio de sangue da revolução mexicana nos anos 20, as principais lideranças do movimento revolucionário optaram por uma institucionalização permanente dos seus ideais reformistas e progressistas.
Plutarco Elías Calles conseguiu reunir diversos grupos militares e políticos rivais e fundou, em 1929, o PNR — Partido Nacional Revolucionário —. Autoproclamou-se Ditador do México. Inaugurou o “Maximato” e prosseguiu em sua luta feroz contra a Igreja e o clero na “Guerra Cristera”.
Quebrou, aos poucos, a espinha dorsal dos acordos políticos e foi substituído no poder pelo general Lázaro Cárdenas, em 1934. Cárdenas transforma por dentro e por fora o partido e exila o pequeno ditador. Nasce o PRI — Partido Revolucionário Institucional.
Considerado o maior e melhor presidente da história do México, Lázaro Cárdenas, promoveu um salto espetacular na sociedade e na economia mexicana. Implementou, de fato, a reforma agrária desenhada por Emiliano Zapata com as suas cooperativas agrícolas e crédito subsidiado para os pequenos agricultores associados.
Industrializou o país e seguiu, em paralelo, a mesma cartilha de Getúlio Vargas, no Brasil, ou vice-versa. Nacionalismo e inclusão social apontando para uma futura social democracia. Jogou, como Getúlio, todas as cartas que tinha na manga durante a segunda guerra mundial para nacionalizar definitivamente o petróleo e todas as riquezas naturais mexicanas exploradas, com naturalidade, pelo capital privado do norte e dos seus aliados europeus. O PRI significava então desenvolvimento econômico e progresso social.
Com a industrialização surgiu um sindicalismo organizado e forte reunindo o novo cenário urbano e o velho mundo rural. Fidel Vázquez, que se notabilizou como “maior pelego do mundo”, cria a Confederação dos Trabalhadores Mexicanos — a CTM —, e permanece, como um rei absolutista, 70 anos à frente da Confederação, em uma aliança de sangue com o PRI. Só sai morto, pouco antes da primeira derrota nacional do PRI no final dos anos 90.
Lázaro foi o canto do cisne da revolução nacional-socialista mexicana. Depois veio a torrente de sangue, fraudes, corrupção, opressão e terror. Mário Vargas Llosa qualificou, nos anos 90, a democracia mexicana como “a ditadura perfeita”. Mais perfeita não houve e não há.
Se você tivesse como objetivo de vida ser um engraxate, só teria a licença para engraxar sapatos nas ruas das cidades se pertencesse ao sindicato dos engraxates e se filiasse ao PRI. Se você quisesse abrir uma banca de jornais e revistas ou vender jornais como autônomo nas ruas das cidades você também teria que pertencer ao sindicato dos jornaleiros e se filiar ao PRI. Se você quisesse vender pirulitos na rua, idem. Sindicato dos piruliteiros e PRI. Exercer prostituição, artista de circo, ora pois, claro, sindicato e partido. O PRI acima de tudo e de todos.
Mas, como espalhar institucionalmente as garras do partido nas chefias dos estados da federação e nos milhares de municípios? — Fraude. Fraude sistêmica e sangue, terror e benefícios.
Quando cheguei ao México, em novembro de 1997, o assassinato do candidato à sucessão presidencial pelo PRI, Donald Colosio, em 1994, ainda estava muito presente no medo e no silêncio da população mexicana.
Donald, jovem e de origem humilde, aparentemente pretendia mesmo reformar o PRI e redirecionar o partido para seus princípios e objetivos sociais fundadores.
Com a eleição praticamente assegurada levou um tiro à queima-roupa no seu último discurso de campanha, em Tijuana, paraíso do narcotráfico. Explodiram a cabeça de Colosio.