Velas acesas

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Quando entrei no Consulado, pela parte interna da embaixada, percebi a excitação e o alvoroço das senhoras em torno dos jornais do dia. Perguntei a dona Marília, a mais antiga funcionária e vice-cônsul: — bom dia. O que foi que houve? — Mataram “El Senõr de Los Cielos”, respondeu. — O Senhor de quê? — Amado Carrilo Fuentes, o maior traficante de drogas deste país —, explicou dona Marília.

Até aquele momento, 1997, narcotráfico, para mim, situava-se na Colômbia, com o monopólio de Pablo Escobar. O eixo havia mudado. Situava-se no distante estado de Sinaloa desde final da década de 80, numa ligação direta entre Escobar e o Cartel de Guadalajara, dominado por Miguel Ángel Félix Gallardo e Rafael Quintero, dois velhos amigos e cunhados cultivadores e donos de plantações de Cannabis Sativa. “El Chapo” Guzmán e Carrilo Fuentes foram as melhores crias do negócio bilionário de Félix Gallardo e Quintero.

Brilhantes e ousados. Rafael Quintero trabalhou desde menino nas plantações de maconha do pai, nas montanhas de Sinaloa, perto da cidade de Badariguato, núcleo urbano daquela região rural dedicada ao cultivo da maconha. Félix Gallardo, jovem policial, temido e destemido, casou com a irmã de Rafael.

Quintero, um gênio da natureza, trabalhou incessantemente para criar uma nova cepa da maconha, a “sinsemillas”. A maconha sem sementes só podia ser plantada separadamente para não ser contaminada pela planta original.  Permitia qualidade e volumes muito superiores do produto. Inundou os Estados Unidos da época hippie e ativista dos anos 70. Provocou uma mistura de “Light My Fire” e “Samba Pa Ti” na cabeça da frenética juventude daqueles anos. O dinheiro entrou e o negócio cresceu.

Gallardo e Rafael foram para Guadalajara, sede do mais poderoso cartel do narcotráfico mexicano, passaram bala nos chefões do tráfico e se instalaram como altos executivos no Hotel Presidente, de onde passaram a comprar políticos, policiais, juízes, promotores, governadores, prefeitos, e todos aqueles que não conseguiam resistir ao canto e encanto dos milhões de dólares disponíveis para uma boa vida de farras e mulheres à vontade.

Amado Carrilo sucedeu a dupla e continuou o processo de transição da maconha para a cocaína, iniciado por Gallardo e Quintero na parceria com Pablo Escobar, produtor do pó branco desejado pelos ricos de Nova Iorque, San Francisco, Londres, Paris e todo o circuito mundial, conhecido nos meios diplomáticos como Circuito Elizabeth Arden.

Comprou 22 aviões a jato para distribuir e comercializar o produto. Passou a ser conhecido como “O Senhor dos Céus”. Morreu na Cidade do México — naquele dia de excitação no Consulado — em um hospital fechado para ele, tentando mudar completamente sua cara, em cirurgia plástica mal sucedida. Os dois cirurgiões plástico que o operaram foram encontrados, posteriormente, cimentados dentro de tonéis.

Igual a devoção à Virgem de Guadalupe, só o Círio de Nazaré e São Lázaro, em Cuba. Ao redor da sua imensa basílica os turistas encontram velas acesas para um santo do qual nunca ouviram falar: Jesús Malverde, o protetor dos narcotraficantes e dos pobres. O homem do campo de Sinaloa que roubava dos ricos, no final do século 19 e início do 20, para distribuir riqueza entre os pobres e famintos. Suas estátuas e bustos estão por toda a parte no território mexicano; mas o santuário principal é o de Sinaloa, para onde acodem peregrinações de todo o país. Sua imagem tem como pano de fundo as folhas da Cannabis Sativa.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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