O herói do povo
Miguel Gustavo de Paiva Torres
No dia a dia do meu trabalho tive que me movimentar muito pela Cidade do México, para encontros ou eventos. Sempre saia com o carro de serviço da embaixada, sentado ao lado e conversando muito com o simpático Manuel, figura que sintetizava a grande maioria do povo simples, humilde e bom do México.
Um dia, parado no sinal vermelho, Manuel me sinaliza uma bela casa no estilo tradicional mexicano e diz: — senhor, naquela casa morava Don Mario Moreno. Cantinflas, perguntei. — Sim senhor, Cantinflas, o melhor homem que nasceu neste país.
E começou a desfiar o rosário das benfeitorias e serviços humanitários que foram a marca da vida de Fortino Mario Alfonso Moreno Reys, nascido na pobre periferia da Cidade do México em 1911 e falecido em 1993, aos 82 anos de idade.
Casas comunitárias, hospitais, orfanatos, abrigos; doações ao povo carente do seu país, sempre com um olhar especial para as crianças, em cidades e no campo. Anualmente abria as portas da sua casa aos pobres da cidade do México para refeições e entrega de comida.
Presidente do Sindicato dos Atores e Trabalhadores da Indústria Cinematográfica, Mario Moreno foi uma pedra no sapato do PRI. Em pleno apogeu do “charrismo”, movimento de cooptação de todos os sindicatos mexicanos pelo “Partido da Revolução”, como chamavam o PRI, Moreno resistiu e não cedeu.
Além do sindicato, foi simultaneamente presidente da Associação Nacional dos Artistas e Trabalhadores do setor.
Uma voz poderosa de um homem bilionário que amava e se dedicava aos pobres. Foi ao Texas para apoiar a primeira eleição de um governador “chicano” naquelas terras que pertenceram ao México.
Apoiou fortemente o movimento “chicano”. que lutava por direitos trabalhistas dos trabalhadores rurais nos campos norte-americanos e que se integrou, nos anos 60, ao movimento amplo em defesa dos direitos civis dos negros americanos.
Ídolo popular. Santo, no imaginário dos despossuídos. O “peladito” surgiu em cena no momento em que o México transitava do rural para o urbano; as cidades se agigantavam, divididas cada vez mais, entre minorias ricas e privilegiadas vivendo e trabalhando em áreas modernas e luxuosas, e enormes bolsões de pobreza e exclusão social. No mesmo estilo, forma e fundo, da nossa moderna cidade de São Paulo.
O “peladito”, encarnado por Cantinflas, com suas calças caindo nos fundilhos e amarrada com corda, foi o personagem que reuniu toda a massa urbana dos “sem calças” da história mexicana. Os invisíveis nas telas dos cinemas do México e do mundo, visíveis, vivos, humanos.
Entre os anos 40 e 60 do século XX, Mário Moreno construiu uma poderosa indústria cinematográfica no México, com repercussão mundial.
O seu personagem “Cantinflas”, passou a ser um verbete do dicionário da Real Academia da Língua Espanhola: cantinflear, cantinfleo, sinônimos da inteligência e da sabedoria dos humildes na arte de argumentar para sobreviver. Ganhar, pelo menos, na conversa. Escapar das garras dos poderosos como a lebre escapa do coiote.
Excelente!!! O herói mexicano do povo no cinema, “esquecido” pela poderosa e conservadora indústria cinematográfica dos EUA. E pela mídia também. Amei esse resgate histórico. Parabéns, Edberto e Miguel
de Paiva Torres.