Sandoval Caju, o cabo eleitoral “Via Poço”

Edberto Ticianeli

As eleições de 1978 em Alagoas não foram tão quentes como se esperava. O Ato Institucional nº 3 e o Pacote de Abril golpearam a vontade popular. Os militares temiam o crescimento da oposição, já revelada nas eleições de 1974 e 1976.

Impuseram então o Senador Biônico, garantindo que 1/3 dos senadores seria indicado pelo presidente da República, que estendeu seu mandado de 5 para 6 anos. Como no Norte e no Nordeste o partido do governo era mais forte, aumentaram a representatividade dos estados menores.

Além disso, interromperam a propalada abertura política, mantendo as eleições indiretas para prefeitos, governadores e para presidente da República, frustrando a expectativa que naquele ano já se teria eleições diretas em todos os níveis da representação política.

Em Alagoas, no dia 1° de setembro, foi realizada a escolha do governador, o então deputado estadual Guilherme Palmeira, tendo como vice Teobaldo Barbosa, e de uma das vagas do Senado, entregue Arnon de Melo.

Os sete deputados federais, os 21 estaduais e o outro senador foram votados em 15 de novembro.

A polarização majoritária se deu entre o advogado José Moura Rocha (MDB) e a chapa da Arena, que utilizou das sublegendas. Era encabeçada pelo general Luiz Cavalcanti e contava ainda com Rubens Vilar e José Sampaio.

Moura foi o mais votado, obtendo 157.703 votos. Derrotou Luiz Cavalcanti (117.302 votos), mas não a soma das sublegendas, que conseguiu 189.728 votos (Rubens Vilar, com 51.402, e José Sampaio, com 21.024).

Foi uma campanha empolgante da oposição ao regime militar, que cerrou fileiras com Moura Rocha para tentar derrotar os candidatos da Arena.

Entre os que se envolveram com essa mobilização estava o ex-prefeito de Maceió Sandoval Caju, que teve seu mandato cassado nos primeiros dias do golpe militar de abril de 1964.

Estava voltando a morar em Maceió após um período advogando em Recife. Tinha pretensões políticas, mas ainda não conseguira reaver seus direitos políticos (somente aconteceu em 1979).

Continuava a ser vítima da mesma perseguição política que o retirou da Prefeitura. Em novembro de 1977 teve sua habilitação para advogar cassada pela OAB/AL, então dirigida pelo advogado e ex-delegado de polícia Aurino Malta. Argumentou que havia inadimplência nas contribuições devidas àquela instituição.

Foi convencido a apoiar Moura Rocha. Sua presença nos palanques armados pelo MDB era garantia de bom público e da conquista de votos para o candidato ao Senado.

Bernardino Souto Maior na campanha de 1978, com José Moura Rocha e Mendonça Neto

Sandoval evitava se envolver com os proporcionais para não despertar a ciumeira que isso poderia provocar, mas um dos candidatos insistia em obter o seu apoio, confiando que essa indicação seria o passaporte para um mandato na Assembleia Legislativa.

O jornalista Bernardino Souto Maior já era reconhecido como um dos melhores repórteres de Alagoas e acreditava que seu nome seria referendado pelos eleitores, principalmente se Sandoval Caju lhe apoiasse.

O poeta paraibano, percebendo que isso poderia provocar problemas, ao seu estilo, não dizia nem sim e nem não ao jornalista, sempre adiando a sua decisão.

Bernardino não desistia. Não perdia oportunidade para cobrar o apoio e procurava sempre estar ao lado do maior construtor de praças da história da capital.

Domingo, 12 de novembro, o MDB fazia o encerramento da campanha na Praça Moleque Namorador, Ponta Grossa, coincidentemente o maior reduto eleitoral de Sandoval Caju, que era anunciado como sendo a principal atração do comício final da oposição.

Lá pras 11 horas da noite, quando a concentração de eleitores era máxima, o microfone foi reservado para os principais candidatos, incluindo aí os majoritários. Naquela noite, Sandoval Caju, mesmo sem ser candidato a nada, era o principal orador.

Anunciado com estardalhaço pelo locutor, encaminhou-se para usar a palavra antes de José Moura Rocha, que encerraria o ato.

Enquanto se dirigia ao microfone, Sandoval Caju percebeu que logo atrás dele caminhava também Bernardino, que lhe pedia para falar bem dele:

— É o último comício, Sandoval. Você tem que me ajudar. Essa é a sua área e aqui se você pedir votos para mim, estou eleito. Falta pouco.

O ex-prefeito da capital, olhou para trás, riu e puxou o Bernardino para o seu lado, pôs o braço sobre seus ombros e o fez caminhar até onde era aguardado para discursar. Chegou à frente dos oradores, na grade do caminhão, e falou para o jornalista:

— Fique aqui do meu lado que hoje eu vou pedir votos pra você.

Aplaudido a todo instante, Sandoval falava sobre tudo um pouco, sempre “Via Poço” e com humor. Era conhecido por suas tiradas antológicas, entre elas essa do “Via Poço”. Fazia alusão à linha de ônibus Vergel – Ponta da Terra, que tinha alguns veículos percorrendo um trajeto mais longo, pelo bairro do Poço.

Ao lado, o seu candidato vibrava e aplaudia, aguardando o momento da anunciação do seu nome, que demorava por causa das inúmeras divagações “Via Poço”.

Como estava se alongando muito no discurso, Sandoval foi avisado pelo apresentador, discretamente com dois puxões no paletó, que deveria concluir.

— Para encerar estas breves palavras de apoio ao amigo José Moura Rocha em sua caminhada ao Senado da República, peço permissão aos senhores para lhes apresentar meu candidato a deputado estadual.

Puxou Bernardino para mais perto e continuou:

— Esse é o jornalista Bernardino Souto Maior, um rapaz inteligente e capaz de representar vocês na Assembleia Legislativa. Sei que ele ainda não tem a experiência necessária para a política, mas isso logo ele vai aprender.

Passou o lenço no rosto e prosseguiu:

— Sei também que ele ainda não é muito conhecido e que vai ter muita dificuldade para conseguir a votação necessária para se eleger, mas como vocês sabem, todo começo é mais difícil. Mas ele vai vencer, tenho certeza. Votem no Bernardino!

Se voltou para o candidato e lhe deu um abraço e se dirigiu até Moura para cumprimentá-lo também.

Bernardino ficou onde estava. Mal podia se mover, tal era a sua decepção.

Dias depois, quando foram abertas as urnas, conseguiu 1.810 votos, que o colocou na 9.ª suplência do MDB.

Bernardino tinha aprendido uma das mais duras lições de uma campanha eleitoral. Sandoval Caju tinha pretensões políticas e jamais associaria seu nome a um candidato que dele não se esperasse um grande desempenho.

Se não tivesse dito o que disse, no dia seguinte à apuração alguém poderia argumentar:

— Sandoval está acabado. Pediu votos para um candidato e ele obteve somente 1.810 votos. Não é mais o mesmo. Está acabado.

Foi uma lição “Via Poço”, sem dúvidas. Ao estilo Sandoval Caju.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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