O sol na calçada
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Rebeldia e esperança. Nosso fogo comum ardendo no peito jovem de toda uma geração transformadora. Não era peça de propaganda publicitária. Marketing político de enganação, falsidades e mentiras. Era um rio de lava incandescente correndo nas sarjetas de Paris.
E lá estava eu. Compenetrado. Serei um novo Sartre ou um novo Camus, pensava, bebericando uma chique água Perrier e um café da Colômbia. O meu sonho estava refletido na luz do sol que inundava a calçada da Praça de Saint Germain.
Liberté, Le Monde, Le Monde Diplomatique, Express, Canard Enchaîné, cigarro holandês, gente bonita e elegante, intelectuais, celebridades. O mundo inteiro resumindo o seu futuro nas mesas internas do Deux Magots, sob os olhares antigos e graves dos chineses entalhados em madeira.
Nós vamos mudar o mundo. Vamos libertar o mundo da miséria e da fome. Nós somos a revolução. Nós nascemos nas ruas de Paris, em maio de 1968.
O século 21 será a maturidade da humanidade. Um mundo interligado e cooperativo onde tudo convergirá para os direitos humanos e sociais de todos, no planeta inteiro. Vamos ser o arremate da revolução francesa, tantas vezes interrompida.
A China de Mao será um exemplo de simplicidade cooperativa e igualitária de bilhões. Bicicletas para todos. Comida para todos. As ruas serão calçadas ou asfaltadas. Não haverá mais tanta poeira nos bastidores do pensamento e da política.
Acabou a opressão imperialista colonialista da nossa infância. Somos todos jovens, independentes e soberanos, na África, nas Américas, na Ásia e nos Balcãs.
Quantas meninas lindas desfilando no boulevard. Quanta gente rica e sofisticada no Café de Flore. Quanto Jazz nas calçadas e nos porões. Quanta música em nossos corações.
O futuro está chegando. Não existe futuro dizem os mais céticos. E o passado é só o que restou do que passou, acrescentou o filósofo da Sorbonne.
Nada restou. A não ser o presente, o sol na calçada e a lua debaixo da chuva iluminando as pedras do boulevard; aquecendo a alma coletiva dos novos pobres, dormindo inocentes nas calçadas da Cidade Luz. O sonho que não termina.