Tempos estranhos 

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Neste outono equivocado dos tempos atuais, aproveito os poucos dias de sol para o meu banho de mar matinal, quando o sol faz a sua metamorfose do vermelho para o branco, e clareia o mar e as ideias.

Mas o mar nem sempre está tão claro. Na maré vazante encontro plásticos, canudinhos, latinhas e caixinhas de Nescau chegando às areias, revelando a mentalidade dos viventes destes tempos estranhos no nosso ensolarado e chuvoso país tropical.

Mesmo na companhia dos polímeros, as brancas espumas e o murmulhar das ondas me transportam a um outro mundo, longe dessa vida, que para muitos se resume ao prazer de mastigar carne, beber cerveja, bater em mulheres e ouvir ruídos no lugar de música.

Antes que os oceanos se transformem em esgotos entupidos, transbordando nos continentes, aproveito o vai e vem das ondas e deixo meu pensamento navegar à procura do porto onde atracou a estupidez humana, afastada da beleza e do mistério da vida, envolvida no que tem menos importância.

Preocupam-se com a política do corpo e se divertem com as “chuvas douradas” nas bocas famintas dos predadores sexuais; como se o sexo, dos animais ou dos anjos, fosse uma extensão da destruição, e não apenas uma fonte de amor e prazer.

O amor, ah! O amor. O samba canção, o bolero, o tango à meia luz, a poesia e a flor, nada mais disso importa. Temas do passado. O milênio é novo e avança veloz nas mídias digitais, resumindo o ser humano e o mundo a uma telinha que incita à transformação de crianças, jovens e velhos em “hooligans” virtuais.

Expressam uma violência animal, imunes a beleza e a dádiva da vida humana, conspurcadas pela miséria e pela barbárie política que assalta, mata e convence.

Tudo passa e nada fica, como uma onda no mar da belíssima canção que embalou anos de sol, mar, esperança, céu azul, e flores tropicais.

Estamos todos perdidos, no mato sem cachorro e sem GPS.

As velhas divisões entre os bons e os maus, o correto e o incorreto, se dissolveram na pós-modernidade como um antiácido no milênio da revolta dos bichos.

O que vale nestes tempos estranhos é a lei da selva, a lei do mais forte. Não há o outro. Não há o humano.

A tempestade passou. O mar hoje está lindo e continuo a mergulhar como criança na banheira ou no tanque de água da casa demolida onde nasci.

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