Vendendo a Amazônia

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Em 1988 secretariei a delegação do Brasil, na sede da ONU, em Nova Iorque, em reunião de oito chanceleres latino-americanos com os doze chanceleres da então Comunidade Europeia, acompanhados pelo Comissário daquela organização, o socialista francês Claude Cheysson, muito admirado na época, pela esquerda latino-americana, por suas posições progressistas nas relações norte-sul.

Os chanceleres latino-americanos faziam parte do então recém criado Grupo dos Oito, iniciativa que tinha por objetivo concertar consensualmente posições dos principais países da região no diálogo político e diplomático com outros grupos de países, sobre temas de interesse comum.

Naquele momento, os principais temas da agenda eram meio ambiente, narcotráfico, crimes transnacionais e dívida externa. Dívida externa era o principal tema de interesse do Brasil e meio ambiente, dos europeus.

Chegado o momento de abordar a questão da dívida externa, nosso chanceler, o simpático e bonachão Roberto de Abreu Sodré, fez uma emocionada peroração sobre a importância do alívio da carga da dívida externa dos países em desenvolvimento, para possibilitar a retomada de inadiáveis investimentos sociais no Brasil que, disse ele, certamente se transformaria em uma imensa Nicarágua guerrilheira caso continuássemos a ter que gastar o nosso parco dinheiro público com o pagamento de juros exorbitantes ao sistema financeiro internacional, controlado por países ricos e insensíveis ao alastramento da miséria e dos conflitos armados na América Latina.

Abreu Sodré, entusiasmado, colocou na mesa uma proposta que deixou a todos perplexos. Sabedor da prioridade atribuída pelos europeus, na década de 80, à campanha internacional contra a destruição da maior “Rain Forest” do mundo, propôs a eles a entrega de uma área preservada da floresta amazônica, a ser negociada, para controle internacional, em troca do perdão da dívida externa brasileira.

Sodré tinha deixado de lado as “fichas” que eram preparadas por diplomatas para que participasse dos debates com as “posições” do Brasil, em mãos. Resolveu improvisar como se estivesse em um palanque político. O Chefe do Gabinete do ministro, diplomata competente e experimentado, que tinha como uma de suas missões orientar o chanceler nos temas diplomáticos sensíveis, rapidamente interrompeu o discurso e começou a falar sobre outros tópicos, mirando principalmente nas questões de comércio internacional e na necessidade de maior abertura comercial dos países industrializados para as exportações dos países em desenvolvimento.

Claude Cheysson, o Comissário europeu socialista, interrompeu para fazer, por sua vez, uma longa dissertação sobre vantagens comparativas e competitividade internacional.

De modo brusco e direto disse que o Brasil, e outros países “agrícolas” em desenvolvimento, tinham que terminar, de uma vez por todas, com essas “pretensões infantis” — disse isso mesmo — de industrialização.

Explicou aos latino-americanos que as suas vantagens competitivas estavam no campo e na agricultura. Seria lógico, portanto, priorizar o desenvolvimento desse setor; deixando as questões do desenvolvimento tecnológico-industrial para os países já industrializados.

Jovem diplomata, na época, fiquei chocado com a maneira crua e arrogante com a qual o socialista Cheysson se dirigia aos oito chanceleres latino-americanos e assessores diplomáticos: falava como um mestre irritado se dirigindo aos seus alunos em um grupo escolar com meninos malcomportados. O Brasil vai ser um país agrícola, decretou.

Mais tarde, para amenizar, criaram o termo agronegócio. Nenhum chanceler europeu levou à sério a proposta de Sodré para entregar parte da Amazônia ao controle internacional em troca do perdão da dívida. Sabiam que o chanceler brasileiro era um político profissional e que aquela ideia era uma conversa para boi dormir.

A Amazônia, claro, sempre esteve e ainda está na mira das grandes potências como região de interesse global a ser eventual e parcialmente condomínio internacional, em projeto estratégico, de longo prazo.

Por isso, em 1988, não chegaram nem a piscar os olhos com a absurda oferta feita pelo simpático ex-governador de São Paulo e chanceler do governo Sarney.

Agora, às vésperas de uma confusa eleição, em um cenário de quase caos econômico e social no Brasil, não vemos ninguém interessado em política externa: fundamental para a segurança, estabilidade e o nosso desenvolvimento econômico e social.

Parece que o Brasil é uma ilha perdida no Atlântico Sul, sem relações com o resto do mundo.

Os europeus, naqueles anos 80 do século passado, se antevissem a atual devastação desenfreada na Amazônia brasileira e suas consequências na mudança climática e deterioração acelerada das condições de vida no planeta, para ricos, pobres e miseráveis, certamente teriam fechado negócio com Sodré e comprado parte da Amazônia. Sem sombra de dúvida.

Um comentário em “Vendendo a Amazônia

  • 18 de maio de 2022 em 14:55
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    Hah muitos anos que alguns paises europeus estao de olho na Amazonia.Todavia, essa regiao jamais deixara de pertencer ao Brasil!!

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