Amazônia no limite
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Em julho de 1978, o Brasil capitaneou a formulação e assinou o Tratado de Cooperação Amazônica entre os países que exercem soberanias nacionais nessa imensa região de rios, florestas e biodiversidade, reclamada no século 19 por militares e empresários norte-americanos como uma extensão geográfica natural do sul dos Estados Unidos da América.
Politicamente, tudo o que foi possível ser feito para dividir as posições dos países amazônicos sobre o tema da soberania e de sua exploração econômica foi feito. Não conseguiram. A diplomacia imperial agiu para defender a integridade territorial e a nossa soberania sobre a Amazônia brasileira. Foi um duelo interno entre partidos e órgãos da imprensa carioca e nacional.
Por um lado, o liberal Tavares Bastos, importante político das Alagoas, bradava pela plena abertura dos rios amazônicos para a navegação e comércio internacional. Para Tavares Bastos, o Brasil só conseguiria prosperidade com o livre comércio e fluxo de pessoas e tecnologias, principalmente dos Estados Unidos da América, farol do progresso e da civilização para o líder liberal. Do outro lado, Dom Pedro II e o partido conservador, de corte nacionalista e desenvolvimentista, na época, utilizaram a fina e competente diplomacia imperial, sob a batuta do Visconde do Uruguai, e o apoio militar do exército do então Barão de Caxias para evitar todas as muitas tentativas de aventuras secessionistas do território da Amazônia brasileira pelo faminto capital externo.
Por isso, a promulgação do Tratado de Cooperação Amazônica, em 1978, foi considerada um ato concreto na reiteração e defesa das soberanias sul-americanas nessa rica, diversa e enorme região.
Pelo menos essa era a ideia da nossa diplomacia. Em Abidjan, na Costa do Marfim, como jovem encarregado de negócios — tinha 25 anos —, recebi instruções expressas de entregar cópia do tratado ao ministro das Relações Exteriores, enfatizando a importância da cooperação amazônica nas nossas relações com a África, naquele presente e no futuro. O Brasil se afirmava: 200 milhas náuticas soberanas; zona econômica exclusiva; zona de paz no Atlântico Sul e, naquele final de 1978, reafirmação da soberania na Amazônia territorial brasileira.
Jovem diplomata, vibrava com todos esses avanços das nossas bandeiras e entradas diplomáticas. Mas o que nasceu no final dos anos 70, morreu já no início da década de 80.
Com o acocho do Norte sobre nossa dívida externa. Entrou a propaganda subliminar. Já não era a tal da projeção científica do território do sul da Flórida o que estava em discussão. Tratava-se nos anos 80 das ONGs e da destruição sistemática dos povos amazônicos e da contaminação mortal do “Pulmão do Mundo”. Até lanchonetes temáticas foram abertas, com estardalhaço, na América do Norte, Europa e mundo afora.
O Tratado de Cooperação regional virou letra morta. Até que, nos anos 90, por iniciativa do governo peruano foi criada a prevista associação internacional Organização do Tratado de Cooperação Amazõnica (OTCA), com sede em Brasília.
Eleito presidente da organização, o embaixador Carlos Alfredo Teixeira, que havia chefiado nossas missões diplomáticas em Lima e em Quito por suas habilidades pessoais e competência profissional conseguiu, a muito custo, montar e estruturar um organismo internacional modelo em Brasília. Eleito, reeleito e prorrogado em suas funções para atender tecnicamente à cúpula dos países amazônicos, que se inicia agora em Belém do Pará, 45 anos depois da assinatura do tratado, com a nova onda de pressão internacional provocada pelo aquecimento global do planeta.
Finalmente, depois de 45 anos, o Itamaraty saltou da escuridão para a luz da realidade diplomática do nosso tempo. Ao embaixador Carlos Alfredo Lazary Teixeira, o que é dele: os louros da vitória por ter enxergado mais longe.