Religiões, guerras e destruições em nome de Deus

Miguel Gustavo de Paiva Torres, embaixador

Em 1979 estava chegando ao final da minha missão diplomática na Costa do Marfim como número 2 da embaixada. O meu chefe, embaixador Marcos Coimbra, havia sido transferido para o Cairo e convidou-me a seguir trabalhando com ele no Egito. Aceitei. Eu iria posteriormente, porque deveria ficar como encarregado de negócios até a chegada do novo chefe, Otávio Rainho, então Ministro Conselheiro em Paris, onde servia com Delfim Netto.

Aproveitei o meu tempo extra em Abidjan para ler e estudar o máximo possível sobre o Egito e o mundo árabe e muçulmano em geral. Dois livros me chamaram a atenção na época, ainda de Guerra Fria, “O Islam e o Marxismo” e “Em Nome de Deus”, sobre fundamentalismo religioso.

Rainho, sucessor de Coimbra, lutou desesperadamente para não sair do “Circuito Europeu Elizabeth Arden” do Itamaraty e partir para o que considerava o “degredo” africano. O Itamaraty não gostou e ganhou a parada. Um ano depois chegava Otávio Rainho ao aeroporto de Abidjan.

Mas a minha remoção para o Cairo havia sido cancelada pelo tempo que tive que ficar como Encarregado de Negócios em Abidjan. Foram mais de 365 dias. Em compensação, aceitaram o meu pedido para ser transferido para Bonn, na então República Federal da Alemanha. Tinha 25 anos de idade.

Mas se não pude viajar fisicamente naquela época para o Egito, viajei por todo o Oriente Médio, sua história, cultura e religião nas minhas leituras diárias. Era um mundo novo e fascinante para mim.

Em 1981, o meu colega Marcelo Moretzshon, que assumiu o meu lugar no Cairo, foi assassinado, juntamente com o presidente Anuar Sadat, por fundamentalistas islâmicos das forças armadas, que desfilavam frente ao palanque presidencial, repleto de autoridades e diplomatas. Celebrava-se o Dia da Independência.

O fundamentalismo islâmico começava a se espalhar como ondas de um tsunami de sangue e terror por todo o Oriente Médio. Tive sorte. A relutância do Rainho em não aceitar o degredo africano me tirou do Cairo nesse momento crítico de sua história.

Karen Armstrong, uma freira católica, considerada a mais importante “scholar” do estudo das Religiões no Ocidente e Oriente. Admirada por Paulo VI, João Paulo II e por todos os mais importantes estudiosos das religiões no mundo, escreveu obras primas sobre o Islam, a começar pela biografia do profeta Maomé.

Foi com ela que aprendi a interligação entre as “três religiões de Abraão”: judaísmo, cristianismo e islamismo. As filhas espirituais do Patriarca, cujas sandálias e cuia de alimentação estão no museu do Palácio Top Kapi, em Istambul.

A primeira informação a me surpreender na vida do profeta foi a sua determinação em pregar justiça social e paz em sua terra natal, Meca. Não considerava correta a iniquidade social em sua comunidade, a “UMRAH”, com maioria de pobres e miseráveis e uma minoria de abastados, entre os quais ele e sua família. Foi essa percepção da desigualdade na “UMRAH” que levou Maomé a partir para sua viagem de revelações do “Alcorão” e ao seu exílio em Medina. Islam vem da palavra Salam, “Paz”. Salam Aleikhum. A paz esteja convosco.

O profeta, que nunca se considerou a encarnação de Deus, incluiu Jesus de Nazaré e sua família no “Alcorão”, Como profeta da paz e do bem. As interpretações seculares e constantes do Alcorão, assim como da Torá e do Antigo e do Novo Testamento Cristão transformaram as três religiões de Abraão em irmãs inimigas e chegaram ao derramamento de sangue na história da humanidade e ao terror fundamentalista mais pavoroso possível.

Na Europa cristã, quando as mães queriam assustar e disciplinar as crianças diziam que iam chamar o Maomé. As guerras religiosas na Europa entre católicos apostólicos romanos e protestantes se estenderam por séculos em uma feroz luta pelo poder entre reinos e impérios.

É nos Estados Unidos, no entanto, que nasce o atual fundamentalismo religioso interligando política, negócios e religião; separando protestantes liberais e protestantes radicais. Os protestantes radicais norte-americanos se intitulavam como a “Moral Majority” (Maioria Moral). Essa mesma que se disseminou mundo afora em um projeto global de dominação cultural, militar, religiosa, política e econômica.

A resposta do Oriente foi primeiro o budismo fundamentalista e depois o islamismo fundamentalista. Enquanto alguns homens e mulheres, como Karen Armstrong, pregavam o diálogo e a paz em nome de Deus, os políticos, gananciosos e radicais se uniram em torno das guerras e dos massacres das gentes de todo o mundo. A Maioria Moral.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *