São muitos os Deuses
Miguel Gustavo de Paiva Torres
— Não há um Deus. São muitos os Deuses.
Eu gostaria de poder explicar, mas não é fácil. Por que é tão embaralhada e cheia de nós essa questão religiosa da atualidade? Houve um tempo em que tudo era mais simples: cruzados contra maometanos; católicos contra protestantes.
Antes, no paganismo e nas culturas ancestrais da Grécia, de Roma, da África e da Ásia os Deuses eram muitos, milhares. No hinduísmo ainda são milhares os deuses sagrados.
No Egito, um faraó quis inventar a moda de que só havia um Deus: o Sol. Por isso era ele, Akhenaton, o Rei Sol. Terminou degolado.
Tudo tão estranho. No nosso ocidente dividido, na modernidade, entre esquerda, centro, direita, liberais, anarquistas e extremistas, se tenta, de todo modo, encaixar o oriente islâmico e hinduísta nesse espectro do caleidoscópio político e social do nosso inconsciente coletivo judaico-cristão.
É mais complicado do que parece e, ao mesmo tempo, mais simples do que parece. Vamos aos fatos: o pai dos judeus e dos árabes é um só: Abraão. Por esse motivo os norte-americanos, a Arábia Saudita e países do Golfo costuravam o Acordo de Abraão, rasgado por milicianos do Hamas na chacina de judeus, em 7 de outubro de 2023, no “desprotegido” Estado de Israel, governado pelo espantalho Netanyahu.
Difícil entender como um partido político, que ganha uma eleição democrática e depois transforma o seu governo em ditadura — como é o sonho de muitos governos mundo afora —, pode cometer um extraordinário desatino de terror.
Começa então a discussão: quem são eles? São xiítas ou sunitas? Ora, é muito mais complicado do que uma mera divisão histórica do islamismo. Na briga de poder entre os sucessores de Maomé, líder espiritual e guerreiro, sunitas são aqueles que só aceitam a liderança de descendentes diretos de Maomé.
Xiítas são aqueles que só aceitam a liderança do genro de Maomé, Ali, esposo de Fátima, a influente filha do profeta que regressará à terra nos últimos dias. Mas, com o tempo e, portanto, inacabáveis lutas de poder pelo comando islâmico mundial, formaram-se todo tipo de derivativos, como os ismaelitas chefiados pelo Aga Khan do Paquistão, por exemplo.
Cristianismo, judaísmo e islamismo são religiões monoteístas. Só há um Deus, dizem cristãos, judeus e muçulmanos. E Allah é grande, dizem os muçulmanos para chamar os fiéis às orações e para ordenar a matança dos infiéis.
Sunitas podem ser mais liberais ou mais radicais. No Golfo arábico são mais liberais. Os mais radicais são chamados wahabitas: aqueles que adotam o Alcorão, a Sharia, como a sua tábua de leis temporais. Arábia Saudita é a Meca dos wahabitas.
Vivi na Arábia Saudita. Levei chicotada da polícia moral por fumar na rua. Patrulham as cidades em camionetes com armas e chicotes. Mulher sem véu, nem pensar. Mas homens podem andar de mãos dadas. Beijar ou trocar afetos, não. Forca ou decepação da cabeça e dos membros. Música, cinema e qualquer diversão são “Haram”, pecado.
Na guerra fria entre ocidente e oriente, ou seja, entre comunismo e capitalismo, tentaram converter esses povos ao ideário de Adam Smith, por um lado, e ao de Marx, por outro.
Não deu certo e não poderia dar certo. No antigo Congo, recém-independente da Bélgica, Che Guevara, a mando de Fidel, deu início à internacionalização socialista. Maldade. Não conseguiu nada e se mudou para a Bolívia.
Na Arábia Saudita, Golfo arábico e pérsico, a potência racista e hegemônica norte-americana entrou de cabeça para converter esses povos ao sistema democrático liberal, com sua bandeira esfarrapada dos Direitos Humanos e Liberdades Individuais. Não deu certo e não dará certo.
Em novembro de 1947, o brasileiro Osvaldo Aranha, presidindo a novíssima ONU, no pós guerra, deu o voto de minerva na resolução que aprovou a criação do Estado de Israel ao lado de um Estado Palestino, na Palestina, então habitada majoritariamente por árabes, destinando a cidade sagrada das três religiões monoteístas contemporâneas, Jerusalém, à uma administração internacional.
Tratava-se do sonho ocidental de democracia e liberdade para todos, em todas as partes. Virou um pesadelo assustador. Para todos.