Nunca pecamos
Pife
Os seres suspensos, que voam sobre nossas cabeças, alados, e que conseguem viver no piso das nuvens, estão nas mentes e não nas calçadas da casa da gente, nem muito menos nos desenhos das paredes de nossa infância, quadros de fantasmas e de monstros desenhados pela nossa imaginação no reboco sujo do quarto estreito.
Não têm cores, rostos, odores, pele e nem espirram, esses tais.
E ainda castigam, definem o destino, perdoam os pecados. Não se aborrecem, nem se manifestam nas alegrias como nós, os imbecis. Por isso são, assim, também imbecis, do meu jeito.
Mas não é sobre isso que pretendo dizer, sobre os deuses danados, com aquelas salivas saídas das orações pela redenção dos pecados.
Quero falar das atribuições.
O que transferimos para esses seres subaquáticos das lágrimas da representação é um horror. Como seres oportunistas, sempre criamos as divindades para ocuparem o lugar da mais incrível manha humana: “isso não é comigo”.
Os deuses, o Deus, os orixás, o trovão e a terra molhada, vejo, são muito mais usados pelas nossas querências do que mesmo pela morte severina.
Saímos da fé em um (D)deus, ou de uma vaca indiana, para a mais escabrosa das mentiras humanas: “peço perdão”.
Não somos pecadores, ora, somos cruéis.
Por isso mesmo, não adianta pedir a salvação. Bobagem querer salvar a própria ignomínia.
Tolice tentar dizer a si mesmo que está em paz com os próprios arrependimentos.
Não adianta!
O tempo para pedir perdão e salvação não existe, simplesmente.
O que aparece é uma chuvinha de espuma para enganar deus e o diabo, quando dobramos os joelhos e, com um olhar oblíquo machadiano, balançamos nossos lábios em direção aos santos imóveis.
O paraíso é distante na mesma proporção da andada de nossas mentiras.
Quanto menos mentimos, mais próximo estaremos da paz de nossas crenças, embora o ser humano nunca tenha sido feito para deixar de mentir.
A fé é uma mentira sagrada que usamos para enganar nossas divindades.
E aviso: elas não são tolas e só ficam de frente para as nossas ventas se as tivermos como seres reais e não como entes amassados pelos nossos suspiros falsos de adoração.
Sim.
Excelente texto. Somos humanos e desumanos ao mesmos tempo, alguns de nós permanecerá na segunda categoria, usando o nome do divino para justificar as suas maldades, ainda pior tentam definir o destino de todos.