O enterro do Colaço

Edberto Ticianeli – jornalista

Rubens Colaço era um destacado militante comunista. Construiu sua trajetória política a partir da sua liderança entre os rodoviários de Alagoas.

Como dirigente do PCB, esteve na URSS fazendo alguns cursos que lhe ajudaram a dar mais conteúdo a uma oratória já respeitada nas lutas políticas e sindicais.

Preso e torturado durante o golpe militar de 1964, manteve-se firme graças a sua integridade revolucionária.

Colaço frequentava a nossa casa por causa da sua convivência com o meu pai, Gilberto Soares Pinto, comunista e militante do Partidão como ele.

Eram reuniões informais onde se discutia sobre tudo, até sobre o socialismo, mas os debates mais acirrados eram sempre sobre religião.

Entre as muitas discussões que presenciei, as mais exaltadas sempre contavam com a participação do meu pai, Júlio “Galego” Braga e Colaço. Era sempre um debate acalorado, mas sempre permanecia a amizade entre os camaradas.

Assim em vida, assim na morte.

Quando Colaço faleceu, Gilberto sentiu muito a perda do amigo e tratou de acompanhar de perto a preparação para sua despedida.

Pelo telefone, comunicou o fato aos amigos em comum e acertaram que estariam presentes para homenagear o velho companheiro que partia.

No início da tarde, o corpo de Colaço recebia no centro da sala o adeus dos seus familiares e amigos.

Discursos inflamados exaltavam as virtudes revolucionárias do finado. Na calçada da casa, também se homenageava o seu lado boêmio. De vez em quando alguém emborcava rapidamente um copo de cachaça.

Como alguns dos oradores já estavam devidamente aditivados, os discursos se prolongaram de tal forma que o velho e impaciente Gilberto começou a se irritar.

Conversava com um e pedia para acelerar o enterro, conversava com outro e alertava que já estava na hora de partir para o Cemitério de Jaraguá. Nada acontecia a não ser a continuação dos discursos.

Gilberto perdeu a paciência e falou alto:

— Companheiros, está na hora de levarmos o Colaço para o cemitério!

Algumas vozes embargadas gritaram que não. Queriam continuar discursando para Colaço.

Abriu-se o debate de forma acalorada. Sai ou não sai o enterro?

Argumentos prós e contras eram apresentados no meio da confusão que se formou.

Gilberto, já cansado, explodiu:

— Então, vocês peguem o defunto do Colaço e enfiem no cu!

Só assim o cortejo saiu em direção a Jaraguá. A multidão gritava palavras de ordem enquanto caminhavam. Alguns choravam.

Entram no centenário Cemitério de Jaraguá e alguém orientou:

— Dobra à direita ali na frente!

Nesse momento, um jovem entusiasmado e emocionado pula na frente do enterro e de braços abertos grita:

— Para! Para! Companheiros, o camarada Colaço viveu enfrentando a direita e não vai ser depois de morto que vamos conduzi-lo pela direita. Ele sempre foi da esquerda. Isso é uma traição!

Aplausos e vivas confirmaram que estava criado um sério problema. Como enterrar Colaço sem fazer a conversão à direita?

Depois de alguns minutos de reunião alguém encontrou a solução.

— Camaradas! Proponho que a gente faça como os retornos de quadras no trânsito. Vamos em frente, passamos da entrada, dobramos à esquerda, depois à esquerda novamente e depois com mais uma entrada à esquerda a gente vai chegar ao local.

Aplausos de aprovação permitiram que Colaço chegasse a sua última morada, sem se afastar da esquerda.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

2 comentários em “O enterro do Colaço

  • 13 de agosto de 2018 em 19:13
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    Sou filha do Colaço, ontem foi o dia dos pais. Eu estava pensando nele, quando minha filha, Regina Célia Colaço, compartilhou seu comentário. Receba um abraço, e leia O PRIMOGÊNITO DA JUMENTA, que eu escrevi para preservar as discussoes anti-religiosas

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