Natal de 1964 em Maceió
Edberto Ticianeli – jornalista
Para uma cidade ainda com ares provincianos, o burburinho que agitava a Rua do Comércio naquele final de tarde era anormal. Muito diferente do tradicional e sonolento dia a dia da principal via de Maceió.
Era a última oportunidade para as compras de Natal de 1964. Uma véspera do feriado cristão caindo numa quinta-feira anunciava festas e comemorações prolongadas.
A pressa contagiava a todos. Mesmo com poucos automóveis em circulação, atravessava-se a rua a passos largos e os cumprimentos entre os conhecidos eram rápidos e formais.
O Café Central atendia seus últimos frequentadores e já tinha algumas portas cerradas. Cupertino, seu proprietário, também pensava em chegar em casa um pouco mais cedo e de uma das portas ainda aberta observava o movimento acelerado dos passantes.
Naquela afobação, não deve ter percebido que na calçada do seu estabelecimento um menino sardento tentava vender caixinhas de uva passa sobre um caixote.
Uma novidade nas ruas da Maceió. Iguais somente se encontrava na Helvética e Feira Franca, mas por um preço bem maior que o anunciado:
— Olha a passa! Dois cruzeiros a caixinha!
O ganho era pouco, mas o preço do caixote de passa que um amigo da família trouxera de São Paulo permitia vender a caixinha por este valor e assim ganhar um extra para o fim de ano.
Durante toda a semana, o pequeno vendedor perambulou pelo Centro da cidade sem grandes resultados nas vendas.
O principal concorrente entre os ambulantes era o caju cristalizado, que nesta época do ano aparecia em quantidade, exposto em cestos e acondicionado em sacos de papel. Vendia-se facilmente esta iguaria fabricada em Riacho Doce, mesmo não sendo tão barata.
Com as primeiras luzes dos postes de iluminação já acesas, a criança resolveu levar seu produto para a esquina do Bar do Chopp, onde alguns dos clientes da Helvética poderiam se interessar pelas apreciadas passas de uva provenientes da capital paulista.
Com pouca idade, o “galeguinho” já era vendedor ambulante há três anos e conhecia os melhores pontos da capital. Mesmo assim, continuou sem vender nada.
Mas tinha pressa. Não a pressa dos passantes. Sua aflição era outra.
Tinha que levar dinheiro para casa e o arrecadado até aquela hora era insignificante, o que o colocava sob suspeita de ter deixado de lado seu trabalho para brincar.
Temia ser castigado, como fora diversas outras vezes. Era uma criança de nove anos de idade, mas as cobranças dos pais eram enormes. Tempos difíceis, de muita luta pela sobrevivência.
Voltou para a Rua do Comércio, que começava a se esvaziar.
Algumas lojas, já fechadas, mantinham suas vitrines iluminadas. Nas outras, o barulho das portas de ferro sendo desenroladas anunciava o fim do expediente.
O menino mantinha-se aflito, como que contaminado pelo corre-corre e tivesse que também chegar em casa mais cedo.
Pensava nisso quando foi tomado por um sentimento de paz e tranquilidade. Diante da possibilidade de não vender mais nada, acabara de descobrir que não tinha mais pressa alguma.
Era noite e ainda teria que caminhar muito até o bairro da Coreia, ao lado da Ponta Grossa, mas não tinha pressa.
Não tinha pressa em ser castigado. Não tinha pressa em chegar em casa, porque lá não teria festa alguma. Não teria nenhum presente lhe esperando e nem uma ceia farta.
Era somente o final de mais um dia trabalhado na vida de uma criança pobre nas ruas de Maceió em 1964.