Sergio Ricardo quebrou o violão e o apresentador Flávio Cavalcanti apanhou na cara
Edberto Ticianeli – jornalista
Quem revelou este episódio foi o jornalista José Teles em seu blog no JC.
Todo mundo, ou quase todo mundo, conhece a história do violão espatifado em uma banqueta e depois arremessado pelo cantor e compositor Sergio Ricardo na plateia do III Festival da Música Popular Brasileira, promovido TV Record em 1967 no Teatro Paramount, em São Paulo.
Sergio Ricardo faleceu ontem, quinta-feira, 23 de julho de 2020, e novamente o violão voador voltou à memória de todos.
Essa história teve começo já na 3ª Eliminatória daquele Festival, em 14 de outubro de 1967, quando Sergio Ricardo foi vaiado, mas conseguiu cantar até o fim a sua “Beto Bom de Bola”, que ficou entre as quatro classificadas.
Na final, sete dias depois, a reação à sua música foi maior. O público não esqueceu o que ele disse ao concluir sua apresentação na eliminatória: “Vou alterar o nome da música para Beto Bom de Vaia”.
Foi recebido por apupos tão altos, que não conseguia ouvir os músicos do seu conjunto. Perdeu a paciência, quebrou o violão e o arremessou contra os que lhe vaiavam. Foi imediatamente desclassificado.
Essa é a parte da história mais conhecida, principalmente pelas imagens divulgadas nos meios de comunicação, que acompanham o violão até o momento em que ele viaja velozmente sobre a plateia irritada.
Mas ele caiu logo depois. E caiu sobre uma jovem que estava acompanhado pela mãe.
Um dos seguranças da Record, o futuro delegado Sergio Paranhos Fleury, foi até elas e procurou saber se queriam apresentar queixa contra o artista. Soube que não havia essa intenção.
Atrás das cortinas, a confusão continuava. Sergio Ricardo não aceitava sua desclassificação e queria que os promotores do Festival garantissem as condições para que voltasse a se apresentar.
Ficou cercado por seguranças e recebendo a solidariedade dos colegas artistas. Elis Regina forçou o isolamento e conseguiu chegar até ele e o abraçou.
Para complicar mais ainda a situação, um grupo paramilitar, o Comando de Caça aos Comunistas, aguardava-o na saída para linchá-lo. Somente conseguiu chegar até o carro que o tirou dali com a ajuda da família e da Polícia.
Diante das ameaças ao colega, dias depois vários artistas promoveram um show de desagravo no Teatro São Caetano.
Mas a polêmica continuou.
Flávio Cavalcanti, que liderava a audiência da TV com seu “Programa Flávio Cavalcanti” na Tupi, com retransmissão pela TVS do Rio de Janeiro, insinuou que Sergio Ricardo tinha quebrado o violão para se promover.
Foi solicitado então um pedido de direito de resposta pelo artista. Foi concedido e Sergio foi ao programa e dividiu as câmeras com Ferreira Gullar e Sérgio Cabral, que tinham sido jurados do Festival.
O clima de hostilidades foi alto e houve muito bate-boca entre o apresentador e o cantor. Continuaram se desentendendo no saguão da emissora, com o acompanhamento das câmeras da TV.
Já perto da entrada do Teatro, Flávio Cavalcanti tentou esmurrar Sergio Ricardo. Não conseguiu e foi empurrado escada abaixo. Levemente machucado, levantou-se olhando para o alto da escada e repentinamente surgiu um desconhecido que o agrediu no nariz, provocando sangramento.
Nesse momento, dois seguranças do apresentador ferido apontaram suas armas para Sergio Ricardo achando que ele tinha sido o responsável intelectual pela agressão do patrão.
Somente não atiraram por intervenção de um jurista que ordenou aos seguranças o recolhimento das armas.
Esse programa e as cenas de pugilato nunca foram exibidos. Flávio Cavalcanti, quando reapareceu na TV estava com uma atadura no nariz e explicou dramaticamente que aquilo tinha sido feito por Sergio Ricardo.
E assim, aquele que contribuiu decisivamente para redefinições importantes na cultura brasileira, participando da bossa nova e do cinema novo, entrou mesmo para a história por ter sido o ator principal destes momentos de conflito.
*Foto de Ronaldo Moraes de O Cruzeiro.
Até o começo desse ano ainda falei com ele. Conversávamos sobre orquestração, os rumos da música brasileira e política. Sérgio andava bem puto e muito triste com o rumo das coisas. Deve ter ido no maior desgosto ao ver que o Brasil sonhado por ele está cada vez mais longe de se concretizar.