O estranho caso dos curiós chapados

Edberto Ticianeli 

Quem frequentou a Feira do Passarinho, aquela que ocupou a calçada dos fundos do Colégio São José em Maceió, conheceu a figura singular do Baiano.

A Feira foi levada, ainda nos anos 80, para as “margens plácidas” do riacho das Águas Negras, na Levada. Baiano, como parte do mobiliário tombado, foi com ela para a atual Rua João Calheiros Gato, no antigo Areião.

Mas quais eram as qualidades que tornaram esse velho morador da Ponta Grossa numa lenda entre os vendedores de passarinho? Era um bom negociante, mas melhor que sua aptidão para o comércio eram os seus afoitos curiós.

Cantadores de muitas repetições, sem que fosse preciso a presença de uma fêmea para afogueá-los, eram os mais caros e procurados pelos aficionados.

Praticamente todos os dias um desses era levado para a Feira, o que deixava os mais experientes criadores coçando as orelhas. Sabia-se que, de vez em quando, um cliente reclamava que o curió havia deixado de cantar horas depois da compra e nunca mais abriu o bico.

Com voz mansa e arrastada, Baiano explicava aos fregueses descontentes: “passarinho é que nem uma namorada, você tem que tratá-la com carinho e gastar com ela. Agora você fica economizando e ainda vem reclamar que o bichinho não canta…”.

Mas como toda verdade sempre aparece, o segredo mais bem guardado sobre os curiós do Baiano também foi revelado.

Um dia, ainda pela manhã, Barbosinha, chefe de serviço da Delegacia do 3º Distrito e responsável por manter a ordem em todo o Baixo Pirulito, bateu na porta da casa do Baiano e foi recebido por ele com cara de mal-acordado, sonolento.

Barbosinha, meu chefe, a que devo a honra dessa visita? Entre e sente aqui na sala que vou pedir pra mulher fazer um cafezinho pra nós.

— Olhe, vim aqui em missão oficial, mesmo sendo seu amigo vou ter que tomar algumas providências —, alertou o agente da lei para em seguida informar que havia recebido de uma vizinha a denúncia que ele estava plantando maconha no quintal da casa.

— Meu amigo, tenho que confessar que é verdade. O pior é que para me explicar vou ter que revelar um dos segredos que mais escondi na vida — confirmou Baiano.

E passou a detalhar as razões da existência daquela “floresta tropical” nos fundos da casa.

— Eu ainda era menino, lá na Bahia, quando um amigo me disse que a melhor forma de botar um curió pra cantar era lhe dando sementes de maconha. Tem sido esse o meu maior segredo e espero que você não conte pra ninguém.

Barbosinha, policial experiente, olhou ao redor da sala e viu em um canto sobre a estante uma bíblia das distribuídas pelas Testemunhas de Jeová. Foi até ela e notou que faltavam várias folhas. Voltou-se para o Baiano e perguntou:

— Tudo bem que você use as sementes da maconha para animar os curiós, mas o que você faz com o resto da planta?

Tranquilo como sempre, Baiano respondeu:

— Êita, meu amigo, você hoje veio pra acabar com meus segredos! Mas pelo jeito é melhor eu falar tudo. Veja bem, no começo eu jogava as folhas fora, mas um dia, no Natal, minha mulher acendeu um incenso para “limpar” a casa dos maus-olhados. Notei então que os passarinhos ficaram todos calmos. Naquela mesma noite, enrolei algumas folhas de maconha com papel e coloquei para queimar. Os resultados foram melhores ainda. Os curiós dormiram a noite toda. Depois desse dia, toda noite eu enrolo umas folhinhas com papel e boto pra queimar como defumador.

Barbosinha não sabia se ria ou se levava o Baiano para a Delegacia. Preferiu adverti-lo.

— Vou fazer um acordo com você: não vou lhe prender, mas a partir de hoje não tem mais pé de maconha no quintal, semente pra curió cantar e nem fumaça pra eles dormirem. Se a gente receber outra denúncia, quem vai cantar na gaiola é você.

Baiano baixou a cabeça e com a cara mais triste que encontrou disse que o amigo não podia deixá-lo sem negociar seus passarinhos e que sem eles iria para a miséria. O policial, comovido, orientou que encontrasse outro produto para animar os bichos.

Já demonstrando entusiasmo, o criador de curió rapidamente perguntou:

— Quer dizer que posso plantar papoula?

Barbosinha caiu na gargalhada e foi embora.

Baiano, enquanto viveu, manteve seus curiós como campeões de repetições durante o dia e os mais tranquilos do mundo à noite, “numa boa…”, sem incomodar a vizinhança.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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