Sem PT ou mil oitocentos e vinte e sete dias de noite

Por Sergio Braga Vilas Boas

Hoje estava relendo alguns artigos que escrevi nos anos de 2014 e 2015 e considerei interessante repassar recortes do que foi escrito à época.

Em 3 de janeiro de 2014, sobre as manifestações de junho de 2013:

Parece-me que estamos vivendo a representação efetiva daquilo que, segundo Emile Durkheim, podemos chamar de anomia social. Seria a incapacidade da estrutura social em proporcionar a certas pessoas, grupos sociais, aquilo de que precisam para superar as metas e desafios da sociedade.

É o resultado da relação entre os fins culturais – como os desejos e as esperanças dos membros da sociedade – as normas que determinam meios para permitir que os indivíduos tenham acesso a esses fins e a repartição existente desses meios. Daí a explicação também sobre o que ocorre com a chamada “grande imprensa”.

E, mais interessante ainda, é que a anomia diz respeito a uma ruptura ou um desvio das normas sociais, mas não das leis. Ninguém se “revoltou” contra a Constituição, mas a favor dela.

Os grupos violentos, efetivamente não eram formados por aqueles menos favorecidos que recebem maior pressão da sociedade, que estavam a exigir acesso a bens sociais que lhes proporcionassem a possibilidade de cumprimento das demandas da sociedade, e que em tese causariam a violência explicitando uma grande crise de governabilidade.

Não foram estes, mas outros que são muito mais identificados com o ideal fascista. Os primeiros não possuem em casa tacos de baseball e não usam máscaras. Portanto a dita “crise de governabilidade” aparenta ser algo forjado, uma “forçação de barra”.

Bem, ao fim e ao cabo, sabemos que se existe crise na sociedade, esta foi impulsionada pelo modelo excludente e concentrador próprio do liberalismo econômico. Não me parece que a onda de junho passado pretendia substituir o modelo atual pelo passado.

O verdadeiro sentido, o inicial, do fato ocorrido, põe muito mais medo na oposição de direita, que no governo. Mas não podemos esquecer que, sabe-se agora, Jango contava com folgadíssima aprovação popular quando sofreu o golpe. Só que o golpe ficou “conhecido” como a revolta das ruas que levou os militares a usurpar a democracia.

Em 5 de junho de 2014, sobre as eleições próximas:

A minha preocupação neste momento é outra. Será uma eleição DIFICÍLIMA, mas não creio em derrota. Creio que a maior dificuldade virá, ganhando, em governar os quatro anos seguintes.

Infelizmente, infelizmente mesmo, nenhum dos nomes disponíveis, muito menos Aécio (arre!) ou Campos (arre de novo) têm a liderança, o carisma, a envergadura, a Inteligência política, e a capacidade de dialogar com contrários que tem Lula.

Aliás, hoje, por aqui, só ele as tem em volume necessário para unir o país, com as defecções de sempre é claro. Sem ousar comparar suas personalidades ou características ideológicas, nem momentos históricos, mas a liderança, o carisma e a envergadura também foram traços de líderes como Churchill, de Gaulle e Roosevelt, pra não citar outros.

Em 24 de março de 2015, um tanto abatido acerca da perspectiva futura:

A inegável “indigência política” pela qual estamos passando poderá entregar o governo do país a algum “Collor II, a vingança” nas próximas eleições. Digo indigência política e vácuo do pensamento estratégico. Nesse espaço qualquer coisa pode proliferar.

A indigência e o vácuo se proliferaram feito bactérias. Estão presentes em praticamente todas as instâncias dos movimentos sociais urbanos e rurais, à exceção do MST (Stédile) e do MTST (Guilherme Boulos). A Indigência tem causa: o abandono total e completo do debate político, das estruturas e formação política pelos partidos de esquerda e movimentos sociais, contadas as exceções já citadas.

Deixamos formar uma verdadeira bomba atômica de efeito retardado que vai explodindo aos poucos. Nenhuma ideia é estanque e nada – gente, organização ou coisa – é imune a críticas ou à necessidade de se transformar. Parece que nós entendemos que havíamos chegado ao fim da história. Uma pena!

***

Pois bem, “Trinta Dias de Noite (30 Days of Night)“ é o título de um filme norte americano de 2007, que se passa numa pequena cidade do Alasca, onde o inverno polar provoca 30 dias sem que o sol apareça. Então, um insuspeito grupo de vampiros aproveita-se da situação para se deleitar com o sangue dos habitantes.

Por aqui, chegaremos em 31 de dezembro de 2020 aos mil oitocentos e vinte e sete dias de noite. Mesmo sem inverno polar, chegaram os vampiros. Decerto que sem pedigree, vampiros de quinta classe.

Escuridão que nos empurrou para a periferia do que deveríamos ser e que agasalhou nosso ódio e o alimentou. E pior de tudo, não foi o inverno polar, fomos nós que apagamos a luz e acendemos a intolerância, a hipocrisia, o negacionismo, a desfaçatez e acima de tudo a ignorância, a indigência intelectual e moral. E achamos bom. Fizemos festa. Arreganhamos os dentes. Rimos.

Empoderamos os mercadores do bezerro de ouro a quem chamam de deus, o deus criatura, filho do homem, que se entrega a trocar benfeitorias por dinheiro.

Oh, quem irá nos proteger?

Nós mesmos. Teremos de reacender a luz. Cabe-nos reconstruir a perspectiva. Deverá ser devagar, paulatinamente. E, apesar de termos pressa, esta não será possível. São farrapos que tem de ser costurados com calma e paciência. Pontes terão de ser reconstruídas, enfrentando vendavais intermitentes.

A mala da reconstrução deverá ser vazia de ânsia e cheia de tolerância. A Reconstrução não poderá prescindir dos que dela queiram participar. Enfim, não poderá ser “sem”, e sim “com”.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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