O velho Anphilophio Ferrabrás e o voto em tempo de pandemia

Edberto Ticianeli – jornalista

Eleitor das antigas, do tempo do voto a “bico de pena”, o vetusto Seu Ferrinho venera o dia da eleição como se fosse uma segunda comemoração do patriótico “7 de setembro”.

Portador deste sentimento de dever cívico, se orgulha de nunca ter deixado de votar, mesmo quando a idade avançada já lhe permitia tal escolha.

— Votei debaixo de chuva, votei no dia em minha mulher morreu, votei com febre de quarenta e tantos graus, mas sempre votei —, disse para a turma que se reunia na sinuca do Edjalma Toreba, na Rua Caramurus, Prado, bairro onde mora desde que nasceu em 1918.

Pelo dito até aqui, já fica claro que mesmo com o Covid ameaçando a vida de todo mundo, Seu Ferrinho foi votar no dia 15 de novembro de 2020.

Ele não lembra em quem votou, mas recorda que tomou todos os cuidados a pedido da família.

Chegou ao Grupo Escolar Almeida Leite somente após o almoço, quando a frequência no local seria menor.

Entrou no “Frango Assado”, como é mais conhecida a antiga escola, e ficou surpreso com a ausência dos eleitores àquela hora.

Só confirmou que era um dia de eleição por ter visto na entrada milhares de “santinhos” espalhados pelo chão.

Mascarado e portando uma caneta alcoolizada, se dirigiu a secção eleitoral onde vota. Chegou e foi logo entrando para cumprir o dever. Não havia fila.

Exibiu o título para o mesário e enquanto aguardava a secretária liberar o aceso à urna eletrônica, se voltou para algumas cadeiras ao lado da porta da sala e notou a presença de duas pessoas ali sentadas.

Estavam mais que sentadas. Se esparramavam pelas pequenas cadeiras, além de utilizarem a parede como encosto de cabeça.

Seu Ferrinho reconheceu logo Ciça Beiju, tapioquieira famosa com ponto na esquina da Rua Formosa com o Beco dos Elefantes.

Um papelão pendurado no pescoço dizia que ela era fiscal.

No entanto, naquele exato momento, Ciça não fiscalizava nada. Dormia de boca aberta com a máscara funcionando como “tipoia de queixo”.

Ciça, tá doente? — perguntou o eleitor mais velho de Maceió, acordando a fiscal.

— Já tive essa doença, Ciça! Incomoda um bocado — continuou Seu Ferrinho.

— Doença? Que doença? — reagiu a representante partidária ainda coçando os olhos.

Papeira. Já tive papeira quando era criança.

— Mas eu não estou com papeira, não, Seu Ferrinho!

— Pensei que estava por causa dessa tipoia que você está usando debaixo do queixo.

Sem graça e percebendo que na verdade estava sendo criticada por não utilizar a máscara corretamente, Ciça rapidamente a colocou no lugar recomendado.

Ao seu lado, o gordo Idelfonso, mecânico de uma oficina na Rua Cabo Reis e mais conhecido como “Marcha Lenta”, também cochilava, mas com a máscara sobre os olhos para diminuir a incidência da luz do ambiente.

Quando Seu Ferrinho votou e a máquina emitiu o som característico do fim do processo, “Marcha Lenta” se moveu dando sinal de vida, levou o indicador da mão direita até a máscara, o enfiou por uma brecha lateral e a levantou o suficiente para que seu olho direito fiscalizasse o eleitor.

Seu Ferrinho não perdeu a oportunidade.

Conjuntivite? — perguntou e se dirigiu à saída sem esperar pela resposta.

Na calçada do “Frango Assado”, passou por um candidato a vereador e sua comitiva, que acabavam de chegar naquele local de votação.

Percebeu que o concorrente a um mandato popular estava sem máscara.

Parou ao seu lado. Olhou fixamente para ele e perguntou:

— Crise de hemorroidas?

E saiu rindo imaginando onde aquela distinta liderança tinha colocado a proteção que deveria estar sobre a boca e o nariz.

Coisas de Anphilophio Ferrabrás

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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