Ídolo: não preciso de um para viver
Edberto Ticianeli – jornalista
Não me alinho com os que pensam que o ser humano nasce predisposto a adorar ou venerar um ídolo.
Para não digredir sobre as possíveis origens da idolatria, até mesmo por não dominar o tema, vou me valer de forma simplificada de uma das fábulas do africano (da atual Tunísia) Fulgêncio de Ruspe — sim, ele mesmo, o autor do clássico Mitologias (escrito no final do século V) e posteriormente canonizado como São Fulgêncio.
Entre os mitos clássicos de origem greco-latina, o teólogo aborda a origem dos ídolos.
Fulgêncio narra que quando o rico Sírofanes estava sofrendo pela perda do filho que mais amava e constatando que sua fortuna não aplacava a imensa dor que sentia, mandou erigir uma efígie dele no principal aposento da casa.
De nada serviu. Ao contrário, a dor aumentou por ter que conviver diariamente com a imagem do filho perdido (Ídolo semelhante a idos dolu, na função latina).
Os escravos da casa, percebendo a veneração que Sírofanes tinha por aquela efígie, passaram a deixar oferendas aos pés dela com a clara intenção de agradar ao mestre e assim evitar futuros castigos.
Essa fábula tem seu valor e me vali dela para provocar as primeiras reflexões sobre o tema, mas não acredito que os ritos de adoração surgiram para agradar alguém e ou para amainar futuras punições.
O medo do desconhecido
Qualquer estudo sobre a mitologia indígena vai revelar que os ídolos destes povos surgiram a partir do desconhecimento sobre os fenômenos naturais, simbolizados pelo trovão, lua, sol e outros. Eram inexplicáveis para eles.
Não fugiam à regra: temiam instintivamente o que é estranho, incompreensível, mesmo quando não havia ameaças.
Se solstício e equinócio indicavam o início ou fim dos períodos de coletas, os primitivos concluíam que o desconhecido sol tinha poderes “sobrenaturais” e que, portanto, merecia ser temido e adorado.
Assim surgiram os símbolos destes “deuses”, que foram trazidos para o ambiente tribal e aproximados da constante veneração.
Mas o desconhecido, fonte de medos, existirá eternamente? Aposto minhas fichas que não. Ele pode passar a ser conhecido, testemunhando o avanço da racionalidade.
O sol, mesmo não sendo mais possível mantê-lo como um ídolo por ter sido desmascarado como uma estrela de quinta grandeza, não deixa de ser importante para nossas vidas e nem perde sua beleza nas suas auroras ou crepúsculos.
O desconhecido, antes adorado, pode passar a ser compreendido e admirado. Mas nunca mais será um ídolo.
Referências
Sou grato ao meu pai por ter me estimulado a exercitar o senso crítico.
Nunca me impôs credo algum e nem deixou que me impusessem. Repetia à exaustão que cada um dos seus filhos tinha que ser livre para construir a sua própria estrada.
Foi assim que aprendi a viver sem ídolos, sem devoção ou adoração por ninguém.
Também nunca senti a necessidade de venerar o sobrenatural.
O “medo do desconhecido” foi expulso da minha cabeça no colégio, graças às aulas de biologia, física, química e às centenas de livros da Biblioteca do Colégio Estadual de Alagoas.
No lugar da devoção, aprendi a admirar escritores, artistas, intelectuais, pensadores, incluindo entre estes os sábios da cultura popular, com quem convivia nas ruas de Maceió.
Foram e são minhas referências.
Estou entre os que acreditam que a obra sempre é mais importante que o criador, mesmo sabendo que são inseparáveis.
Não sou fã de ninguém.
Não me interessa tirar foto com Chico Buarque ou com Chau do Pife. Quero apenas ouvir suas músicas e aplaudi-los por nos presentearem com sua arte.
Não tenho o menor interesse em ter um livro autografado por Graciliano Ramos ou Guimarães Rosa. Prefiro viajar com eles por seus escritos repletos de veredas.
Da mesma forma valorizo as lideranças políticas e os governantes que contribuem ou contribuíram para o desenvolvimento do país e do mundo, mas jamais os tratei ou os tratarei como ídolos.
Não construo mitos, não tenho ídolos e não sou fã de ninguém. Sou um ser emotivamente racional: um amante da vida.