O bêbado e os três Reis Magos
Edberto Ticianeli – jornalista
Olhou para a direita, mas não tinha como ver se daquela direção vinha algum automóvel. O presépio não permitia uma visão segura. Adiantou o carro um pouco mais, esticou o pescoço sobre o volante, ouviu pneus cantarem e recebeu a pancada.
Francisco desceu do carro ainda atordoado e cambaleando pelo efeito provocado por um garrafão de vinho.
Com dificuldade para permanecer de pé, constatou que não havia maiores prejuízos, nada que um bom funileiro não pudesse resolver sem maior esforço.
Como tinha bebido além da conta e temendo ser punido por alguma autoridade de trânsito, rapidamente assumiu a responsabilidade pelo acidente e se comprometeu a pagar os danos do outro veículo.
Antes de ir embora, olhou para o presépio e percebeu que a posição dos três Reis Magos, em via pública, tinha forçado ele a avançar além do permitido.
Entrou no presépio, olhou a cena por alguns segundos e pediu explicações aos prováveis culpados.
– Pessoal, meu nome é Francisco e como vocês acabaram de ver, sofri um acidente aqui ao lado por culpa de vocês.
Silêncio na manjedoura. Um pastor ainda tentou falar, mas foi silenciado por um severo olhar de São José.
Francisco, o ébrio, percebeu:
– O senhor pode ficar tranquilo. A minha conversa aqui é com esses três que estão do lado da rua.
Vendo que Francisco estava muito irritado, o mais velho dos três se apresentou:
– Olhe, meu nome é Belquior e fiz uma longa viagem seguindo uma estrela e estou aqui para adorar e presentear o nascimento do rei dos judeus.
– E esses dois? – indagou Francisco.
– Também vieram com o mesmo propósito. O mais novo é o Gaspar e o outro é o Baltasar.
– Pois bem, é louvável que vocês tenham vindo de tão longe para dar presentes, mas precisava ficar na rua? Não dá para vocês ficarem um pouquinho mais para dentro? É só tirar aquele jumento dali que dá para arrumar melhor.
Demonstrando que não estava gostando da conversa, Baltasar argumentou:
– O senhor pode não saber, mas a culpa de estarmos aqui é da sua família.
– Minha família? Como?
Baltasar explicou:
– Um ancestral seu chamado Francisco de Assis, em 1223, foi quem teve a ideia de nos colocar aqui durante o Natal.
Francisco não se deu por vencido:
– Pode até ter sido um parente meu, o que santificaria a minha família, mas não explica porque vocês têm que ficar nessa posição.
Gaspar, que carregava uma sacola de ouro, deu a conversa por encerrada:
– Meu caro Francisco, nós podíamos até lhe pagar pelo prejuízo, mas o nosso ouro é para presentear o menino que está ali. Se o senhor estiver incomodado com a nossa posição no presépio, procure a Superintendência Municipal de Trânsito.
De cabeça baixa, Francisco saiu rapidamente. Já perto do carro gritou:
– Eu merecia mais respeito de vocês. Afinal, eu sou um Francisco, sucessor de São Francisco e não vou reclamar com Superintendência nenhuma. Vou ligar mesmo é para outro Francisco que tem o poder de tirar vocês da rua: o Papa.