O dia em que ressuscitei a mãe de um vigarista

Edberto Ticianeli

Com o expediente terminado, continuei nas dependências da Secretaria Estadual de Cultura adiantando alguns trabalhos. Era uma sexta-feira de 2005. Não lembro o mês.

Lá pelas 16 horas, o vigilante me avisou que tinha um cidadão insistindo em falar com o secretário e que ele tinha afirmado que me conhecia.

Disse que o deixasse entrar. Deveria ser algum assunto urgente.

Não esperei muito e ouvi alguém falando enquanto abria a porta com toda desenvoltura.

— Tudo bem, Ticianeli? Tem ido a Pão de Açúcar?

Como não é raro acontecer a quem tem vida pública, não reconheci quem era aquele “amigo”, mas respondi que sempre estava viajando para lá por causa de um inventário da família.

Falou mais algumas coisas sem importância e me disse que estava ali para pedir ajuda.

Olhei para o indivíduo e liguei o “sistema de defesa”. A experiência de muitos anos na política indicava a possibilidade daquela conversa ser o preâmbulo de uma “facada”.

— Lamento dizer, mas minha mãe morreu lá em Pão de Açúcar.

Fez uma pausa dramática e ficou observando minhas reações.

— É pouco o que preciso. Já resolvi tudo do enterro. O que falta agora é o dinheiro do transporte.

Golpe clássico, avaliei. Já tinha visto muitos desses.

Insinua-se um grande pedido, fazendo a vítima suar frio. Em seguida anuncia-se que somente pretende muito pouco. Passa a ser pouco diante da expectativa criada.

Aliviado por gastar menos, a vítima abre a carteira facilmente.

Fiz cara de concordância, mas na minha cabeça estava resolvido dar uma lição naquele espertalhão.

— Olhe aqui, meu amigo, eu não vou lhe dar a passagem, mas vou resolver o seu problema nesse momento de tristeza.

Fiz minha pausa dramática vingativa e continuei.

— Não é justo que você nesse momento tenha que pegar um ônibus. Vou conseguir um transporte da Prefeitura de Pão de Açúcar para levar você até lá.

Peguei o telefone, liguei para o então prefeito Cacalo e indaguei se ele estava no sertão. Como ele confirmou, perguntei:

— Cacalo, o sino da igreja tocou hoje por aí?

Respondeu que não, o que significava que ninguém tinha morrido na cidade.

— Sabe o que é, estou aqui com um amigo aí da terrinha que perdeu a mãe e está precisando de transporte. A mãe dele morava na Rua da Frente e morreu aí hoje pela manhã.

Foi a vez do Cacalo fazer sua pausa dramática.

— Ticianeli, você está com um vigarista aí, não é? —, adivinhou o experiente Cacalo.

Confirmei e me despedi do prefeito. Demorei um pouco pensando e disse ao golpista:

— Meu amigo, não vou lhe dar o transporte. Você vai receber muito mais.

Fiz nova pausa.

Vou lhe dar a melhor notícia da sua vida: A sua mãe está viva! Fique tranquilo que ela não morreu, você recebeu uma informação errada.

Acompanhei o encabulado “amigo” até a saída e quando me despedi, ele ainda não conseguia dizer nada. Saiu sem me agradecer. Acho que estava muito emocionado.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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