A Palavra Armada
Por Miguel Gustavo de Paiva Torres
A verdade não importa. Importa o argumento. Ter razão. Convencer. Esta tese é o fundamento nuclear para os disparos em massa de notícias, argumentos e opiniões para neutralizar verdades objetivas e criar, em seu lugar, “verdades imaginárias” capazes de infectar a consciência individual e o inconsciente coletivo de agrupamentos humanos.
Assim nascem os mitos e as crenças passadas de gerações em gerações, desde a antiguidade até os dias de hoje.
Na África negra o valor fundamental das sociedades tribais era — quando ainda não infectada pelos métodos “civilizatórios” dos colonizadores —, a Palavra. A “Palabre” como se dizia na antiga África Ocidental Francesa, quando por lá vivi, em minha juventude, no século passado.
Era um ritual destinado a resolver disputas interpessoais ou intertribais. Podia durar horas ou dias e o local escolhido para a disputa seria sempre a sombra de um Baobá. A árvore sagrada africana.
A agressão física estava interditada nessas disputas. Não era aceitável para os padrões éticos africanos fora dos estados de guerra declarados.
Os adversários deveriam esgrimir verbalmente os seus argumentos até o momento em que a razão fosse alcançada pelo consenso dos debatedores. Só assim terminavam as querelas. Pelo convencimento, na construção de argumentos pela palavra.
Também foi assim entre as elites do berço intelectual do Ocidente. Na antiga Grécia de Aristóteles nasceu a arte da Dialética. Arte e arma ao mesmo tempo. Não em busca de verdades objetivas, que residem na Lógica, mas do convencimento retórico.
Outro dia recebi, como sempre, insistentes mensagens de velhos amigos que foram contaminados pela retórica do “ movimento bolsonarista” e não descansam enquanto não cumprirem a missão de infectar e arrastar novos companheiros para o movimento, que consideram salvação da Pátria, mesmo com as recentes adesões festejadas dos seus principais inimigos, mestres da mentira e da corrupção, agora salvadores do movimento da verdade e da integridade moral.
Em defesa das atitudes negacionistas que pretendem minimizar a tragédia mundial da pandemia do Covid-19, potencializada pela irresponsabilidade política em países emblemáticos como os Estados Unidos e o Brasil; criaram e persistem em divulgar mentiras deslavadas e cabeludas no intuito de vencer pelo jogo das palavras. Palavras mortais, venenosas, mentirosas.
Uma das mensagens traçava um paralelo entre o islamismo contemporâneo e o uso de máscaras em espaços públicos nesta pandemia.
A ideia do fabricante desta argumentação, contratado para sua disseminação em massa nas redes sociais pelo movimento, seria a de que essa obrigação estaria vinculada ao plano de dominação globalista engendrado por George Soros — o Doutor No da pandemia chinesa —. As máscaras, assim como as burcas no islamismo, serviriam como instrumento de dominação mundial pela retirada das liberdades individuais. As máscaras humilhariam e submeteriam os indivíduos à ditadura do multilateralismo esquerdista global.
Sem Pátria e sem Deus, entregaríamos nossa liberdade individual ao medo. Medo infundado porque com tratamento precoce por remédios sobejamente conhecidos e prescritos pelo movimento não existiria pandemia alguma.
Eis a verdade, argumentam, à luz do sol, sem a sombra dos Baobás.