Colégio eleitoral: a Ditadura tentou parecer uma democracia

Deputado e jornalista Márcio Moreira Alves
Deputado e jornalista Márcio Moreira Alves

Edberto Ticianeli – Jornalista

Em busca de legitimação internacional, os generais baixaram o Ato Institucional nº1, em de 9 de abril, criando o Colégio Eleitoral para escolher o Presidente da República. Na verdade, atribuíram ao Congresso Nacional essa tarefa, tomando o cuidado de antes cassar os mandatos dos líderes da oposição.Com o golpe militar contra o presidente João Goulart, no dia 1º de abril de 1964, o cargo de presidente foi considerado vago.  A junta militar que assume o poder é composta pelo general do exército Artur da Costa e Silva, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald.

Assim, no dia 11 de abril de 1964, 12 após o golpe, é “eleito”o primeiro presidente da Ditadura Militar para exercer o cargo até 31 de janeiro de 1966. O Colégio Eleitoral era composto por 475 parlamentares, que tinham que escolher entre os seguintes candidatos: Humberto de Alencar Castello Branco, Juarez Távora e Eurico Gaspar Dutra, todos ativos participantes do Golpe.

Como era de se esperar, Castelo Branco (361 votos) foi “eleito” com folga. Os coadjuvantes também cumpriram os papéis determinados para eles: Juarez Távora (3 votos) e Dutra (2 votos). Entretanto, as abstenções (72) e não comparecimentos (37) demonstravam que 23% do colegiado não quiseram referendar o arremedo de democracia.

Na “eleição” presidencial de 3 de outubro de 1966, o Colégio eleitoral foi esvaziado pelo MDB, que se negou a lançar candidato. Artur da Costa e Silva, da linha dura dos militares, recebeu 294 votos, um número menor do que os votos conseguidos por Castelo Branco. É dele a iniciativa de implantar o AI 5 e iniciar a fase mais repressiva da Ditadura.

Em 1968, O AI 5 é utilizado para fechar a Câmara dos Deputados, que havia negado autorização para punir o deputado Márcio Moreira Alves, responsável pelo pronunciamento histórico em que pedia ao povo para boicotar as comemorações do 7 de setembro. É deste pronunciamento a célebre pergunta: “Quando não será o Exército um valhacouto de torturadores?”.

Jornal da Tarde de 1º de abril de 1977
Jornal da Tarde de 1º de abril de 1977

Diante da crescente repulsa ao militares no Congresso, Médici, com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, altera a composição do Colégio Eleitoral, que passa a ser composto por membros do Congresso Nacional e por delegados das Assembleias Legislativas estaduais. Cada Assembleia indicava três deputados e mais um por quinhentos mil eleitores do Estado.É neste ambiente que se realiza, no dia 25 de outubro de 1969, a terceira eleição indireta. Emílio Garrastazu Médici quer assumir com o aval do Colégio Eleitoral e exige a reabertura do Congresso Nacional. Com 293 votos e 76 abstenções, Médici anuncia que quer a democracia restabelecida ao final do seu governo.

Com a adoção do novo Colégio Eleitoral, a Ditadura consegue, em 15 de janeiro de 1974, ampliar a sua votação e eleger Ernesto Geisel com 400 votos. Seu adversário é Ulysses Guimarães (MDB), consegue somente 76 votos. Entretanto, a “anticandidatura” de Ulysses Guimarães, mesmo derrotada no Colégio Eleitoral, obedece a uma estratégia lançada em setembro de 1973, na convenção do MDB.

Ulysses Guimarães discursa na convenção e revela as intenções da sua “anticandidatura”: “Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação pela censura à Imprensa, ao Rádio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema”.

Tendo como candidato à vice-presidência o jornalista e advogado Barbosa Lima Sobrinho, Ulysses mobiliza a oposição e garante uma vitória espetacular do MDB nas eleições parlamentares de 1974, transformando a vitória de Geisel, no Colégio Eleitoral, numa das maiores derrotas dos militares.

Mesmo com o fim do Regime Militar, o Colégio Eleitoral ainda continuou vivo nas eleições de 1985. Nem mesmo as poderosas mobilizações populares por eleições diretas impediram que o Congresso Nacional rejeitasse a Emenda Dante de Oliveira, que devolvia ao povo o direito de escolher seu presidente.No dia 15 de dezembro de 1978, o Colégio Eleitoral indica João Baptista de Oliveira Figueiredo, com 355 votos, para Presidente da República. O candidato do MDB é Euler Bentes Monteiro, que consegue expressiva votação, obtendo 226 votos. Era o anúncio de que os militares estavam com os dias contados no poder.

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Mesmo assim, a oposição conseguiu a sua primeira vitória no colegiado que estava vivendo o seu último momento. Tancredo Neves (PMDB + PFL) obteve 480 votos, derrotando Paulo Salim Maluf (PDS), com 180 votos. Tancredo Neves não chegou a tomar posse, morrendo por enfermidade no dia 21 de abril de 1985. O seu vice, José Sarney, assumiu e governou até 1990.

A avaliação da utilização do Colégio Eleitoral pelo Regime Militar demonstra que a Ditadura, ao tentar a sua legitimação com a eleição dos seus presidentes por um colegiado de representantes do povo, terminou por permitir que essa instância também fosse utilizada para fortalecer a oposição, principalmente a partir de 1974. Pode-se concluir, também, que o povo brasileiro nunca aceitou o Colégio Eleitoral como um espaço democrático: ao contrário, as eleições acontecidas por lá sempre foram tratadas como de cartas marcadas.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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