Vingando uma camisa
Edberto Ticianeli – Jornalista
Todo menino que aprontou alguma presepada na vida tem uma história para contar envolvendo bicicleta. Estou incluído nessa relação.
Morador da Ponta Grossa, em Maceió, com 12 anos de idade, o meu sonho era ter uma bicicleta. Como as condições da família não permitiam, a solução era alugar uma eventualmente, quando sobravam uns trocados.
Existiam várias garagens oferecendo este serviço na região, normalmente com bicicletas velhas e com funcionamento precário. Freio era um luxo.
Outra característica dessas garagens era o rígido controle sobre o tempo do aluguel: uma hora era uma hora. Os que falhavam eram excluídos do quadro de locatários e condenados ao degredo dos “sem bicicletas” por um bom tempo.
Por essa inflexibilidade dos proprietários fui reduzindo as minhas opções de acesso às garagens, até que somente restou a do “Chupeta”, lá no Vergel do Lago, nos fundos do Colégio Municipal Rui Palmeira.
“Chupeta” era o terror dos atrasados. Lá o pagamento era adiantado e a camisa do usuário ficava penhorada como garantia. Quem chegasse depois do tempo estabelecido, recebia a camisa “bronzeada” em um latão cheio de óleo queimado.
Durante algum tempo consegui cumprir o horário, mas sempre tem o dia em que você perde a hora. Naquele sábado, corri o que pude para cumprir o acertado, mas ao entregar a bicicleta, calmamente o “Chupeta” me informou da punição:
— Menino, pegue a sua camisa dentro daquele balde ali.
Saí de lá com tanta raiva que quando cheguei em casa a vingança já estava arquitetada. Combinei com alguns amigos os detalhes e no sábado seguinte eles foram até o “Chupeta” e locaram quatro bicicletas, pagas por mim. Deixaram camisas velhas, previamente escolhidas para terem um triste fim.
Aguardei escondido na esquina do Colégio Municipal. De posse das bicicletas, seguimos pela Av. Monte Castelo em direção à “Pista”, um píer de concreto que abastecia hidroaviões militares nos anos 40, na época da guerra, quando a Lagoa Mundaú era o nosso hidroporto.
Nos sábados à tarde, “Pista” se transformava numa passarela para os ciclistas da região. Desfilavam por lá bicicletas ornamentadas e se exibiam os malabaristas das duas rodas. A construção permitia isso, já que avançava lagoa adentro. Conseguir se equilibrar sobre as suas muretas laterais era o maior desafio do local. A “Pista” terminava num declive suave, mergulhando na Mundaú.
Chegamos nessa festa com as nossas bicicletas alugadas — uma vergonha para os padrões do local — e fizemos o reconhecimento da área rapidamente. Depois disso nos postamos alinhados e arrancamos em velozmente em direção à lagoa. Para surpresa de todos, mergulhamos, levando junto as bicicletas.
Saímos da Mundaú calmamente, deixando lá, para sempre, as bicicletas do “Chupeta”. Minha camisa estava vingada.