Brasil Isolado

Miguel Gustavo de Paiva Torres

O mês de novembro de 2020 ficará na história como um dos momentos mais tristes e graves da democracia nos Estados Unidos da América. Foi o momento em que os norte-americanos e todo o seu sistema de organização política e social foi ameaçado pelo culto à personalidade de um único homem, Donald Trump, e, na sequência, um fracassado golpe de estado no Congresso em Washington, que ficará para sempre na história como o “6 de janeiro”, ao lado do “11 de setembro.”

Derrotado por uma margem de mais de 7 milhões de votos no pleito eleitoral popular, Trump declarou-se vencedor da eleição, foi jogar golfe, e tentou desesperadamente corromper os legislativos estaduais que designaram os membros do colégio eleitoral responsável pela oficialização do resultado da eleição presidencial de 2020, em 6 de janeiro de 2021.

Não conseguiu. Mas conseguiu convencer milhões de eleitores de que a eleição foi fraudada e de que ele foi o vencedor, debilitando, assim, a credibilidade do sistema eleitoral da mais respeitada democracia do mundo. Meia dúzia de países, entre os quais a Coréia do Norte, a Rússia, o Brasil e o México, validaram, com o silêncio, a tentativa de Trump de fraudar a eleição e ajudaram na tentativa de quebra da espinha dorsal do sistema democrático norte-americano. O Brasil escolheu entre o respeito ao sistema democrático dos Estados Unidos e Donald Trump. Escolheu Trump, enviando uma mensagem clara de desapreço à verdade e à democracia.

No bê-á-bá dos bancos escolares dos alunos do Instituto Rio Branco, quando cumpria sua missão de formar profissionais da diplomacia, isentos de vinculações partidárias ou ideológicas, a primeira lição que se aprendia era a de que a essência da função diplomática era a de defender os interesses permanentes do Estado brasileiro em suas relações internacionais.

Para isso o Embaixador do Brasil tinha por obrigação abrir canais de amizade e de diálogo com o mais amplo leque possível dos setores diplomático, político, formador de opiniões, acadêmico, empresarial, científico, e outros, relevantes na sociedade do país em que está acreditado como representante do Brasil.

Assim foi que convivi e trabalhei com quase uma dezena de embaixadores de carreira que levavam a sério e cumpriam suas missões diplomática com zelo e profissionalismo. Iniciei minha carreira na Costa do Marfim onde exerci a encarregatura de negócios do Brasil por longo período, entre os meus 23 e 25 anos de idade. Chefiei o Setor Político das Embaixadas do Brasil na antiga República Federal da Alemanha, no Chile, em Lisboa e no México. Fui Ministro-Conselheiro nas embaixadas em Praga, Havana, Jacarta e embaixador em Lomé.

Com exceção de Havana, com o seu sistema político de partido único e sem liberdade de expressão midiática ou acadêmica, e sem representação de setores formais de oposição; em todos os demais fazia parte da nossa rotina profissional de trabalho encontros sociais frequentes com setores de oposição relevantes, em complemento às nossa boas relações profissionais e sociais com os membros dos governos junto aos quais os embaixadores estavam acreditados.

Mesmo no Chile, junto ao governo ditatorial de Pinochet, as portas da Embaixada do Brasil foram abertas a todas as lideranças dos partidos de oposição que subsistiam de modo informal. Até mesmo liderança importante da representação política do Partido Comunista do Chile chegou a receber asilo nem nossa embaixada por tratar-se de obrigação prevista na legislação e na tradição diplomática internacional latino-americana.

Jornalistas, acadêmicos, escritores, artistas, donos de TV e de rádio, também sempre foram recebidos por nossos embaixadores profissionais, independentemente de suas filiações partidárias ou vinculações ideológicas. Esse era o nosso trabalho, a nossa missão.

Nosso chanceler e nosso embaixador em Washington designados por Bolsonaro vão ter que trabalhar como micos de circo pulando dos galhos de Trump para os galhos de Biden, em saltos mortais que poderiam ter sido evitados com a prudência, cautela e profissionalismo para o qual foram instruídos e educados na academia diplomática brasileira, reconhecida e respeitada por seus pares em todos os quadrantes, urbi et orbi.

O Itamaraty por sua história e respeito mundial adquirido em sua história de 200 anos, não merece ser desqualificado. Nossos futuros diplomatas devem e necessitam aprender o bê-á-bá da profissão. O Itamaraty, da mesma maneira que as Forças Armadas, é um instrumento de Estado. Não pode ser propriedade ou instrumento de grupos ideológicos e de partidos políticos. É a cara e a voz do nosso país e dos seus interesses universais, reflexo da formação e da identidade do Brasil.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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