Aventuras no jornal
Miguel Gustavo de Paiva Torres
No mesmo ano de 1973 em que trabalhei como intérprete voluntário no navio hospital Hope, no porto de Maceió, iniciei nova aventura na agitação juvenil que me levava a experimentar oportunidades prazerosas, ao lado dos estudos na Faculdade de Direito.
Tinha prazer especial com leituras, cinema, teatro, música, poesia e reuniões em botecos com cerveja e petiscos, onde podia conversar e discutir a cidade, o país e a humanidade. A minha igreja semanal era o Cinema de Arte promovido por Imanoel Caldas no Cine São Luiz nas manhãs de sábado.
Comprava todos os jornais que chegavam no fim da tarde vindos do “sul” do país e, claro, as revistas Realidade e Veja e os semanários Pasquim e Opinião, referências que me faziam acreditar estar na vanguarda da contracultura dos anos 70, no mesmo nível do Rio de Janeiro, Paris e San Francisco.
Pensava muito na possibilidade de ser jornalista. Correspondente internacional da UPI ou da AFP, quem sabe. Topava ir cobrir a guerra no Vietnam se me chamassem.
Foi nesse estado de espírito que vi um fusca azul parar no portão da minha casa e dele sair um jovem cabeludo com camisa listrada perguntando se o “seu” Miguel, meu pai, estava em casa. Estávamos “seu Miguel” e eu na varanda. Dizia ao meu pai que ia assistir ensaio de “O Pagador de Promessa” no Teatro Deodoro e chegaria depois das 11 da noite.
Pedi ao jovem visitante para entrar e subir para a varanda. Chegou já apertando a mão do meu pai e dizendo que era filho do amigo dele, Mendonça Júnior, residente no Rio de Janeiro. Estava fazendo aquela visita para pedir o apoio do meu pai para dar início à sua carreira política em Alagoas, terra natal de sua família para onde retornava com o objetivo de ser governador do Estado.
Explicou que estava há poucos dias em Maceió e que o seu pai havia recomendado que não deixasse de visitar o meu pai — Mendonça Júnior iniciou sua carreira no judiciário em Água Branca —, terra natal do meu pai, daí a antiga amizade.
Surpreso com aquela figura de jovem rebelde de longos cabelos anunciando sua meta de governar Alagoas me despedi explicando que estava indo ao ensaio teatral. Mendonça Neto me pediu para ficar mais um pouco porque queria conversar comigo também.
Fiquei. Perguntou se eu gostava de jornalismo e se gostava de escrever. Disse que sim, mas só escrevia poesia e peças de teatro. Emendou dizendo: — “próxima semana você começa a trabalhar comigo no jornal que estou lançando e vou ser seu professor de jornalismo. Aluguei uma sala no Breda e vamos trabalhar de segunda a sexta todas as noites —“.
O Breda, na época, era o edifício comercial mais moderno da cidade; — “Topa?” —. Nem pensei, acredito, e já fui perguntando horário, andar e número da sala. Foi assim que iniciei minha breve carreira de jornalista, já nomeado “editor” do semanário “O Estado de Alagoas”, cujo dono e Diretor Comercial era o próprio Mendonça Neto e o Diretor Financeiro, seu tio Roberval, craque em administração de orçamentos e finanças.
Mendonça Neto havia pedido demissão do seu cargo de professor do curso de comunicação na PUC carioca. Aprendi muito com ele e com as histórias que contava sobre as redações de O Cruzeiro e Manchete, onde trabalhou.
Queria um semanário com paginação moderna e atrativa, em papel de qualidade e impressão off set. Não poderia faltar belas fotos, horóscopo, fofocas políticas, indicativo de filmes em exibição na cidade, notícias do interior do estado e, sobretudo, a grande reportagem semanal que deveria chamar atenção e leitores para o semanário — com distribuição assegurada por Guilherme e Ricardo Braga, primos de Mendonça Neto e donos da principal distribuidora de revistas e jornais da cidade.
Além de participar da produção e da montagem do semanário, fui encarregado de propor temas para as grandes reportagens semanais. Para isso contaria com a ajuda de um experiente fotógrafo contratado por tarefa, Expedito Dias, meu companheiro de aventuras.
Expedito labutava incessantemente para ganhar a vida como repórter fotográfico. Uma das suas fotos estampou a primeira página do semanário: um trabalhador do porto com martelo batendo no aço em primeiro plano na frente do navio hospital Hope. Tema da reportagem da semana.
Por causa dessa foto Mendonça Neto teve que passar uma tarde inteira fechado em uma sala à prova de som, no quartel do Exército, sendo interrogado e gravado pelo comandante da época sobre o “significado” da foto do martelo frente a um navio norte-americano. Mendonça era ousado e destemido. Assustou, mas não deu em nada.
Mossoró
Reportagem que deu o que falar, e vendeu jornal, foi a que fiz juntamente com Expedito no mais famoso e luxuoso cabaré de Maceió, Areia Branca, também conhecido pelo nome do seu proprietário, Mossoró. A boate ficava distante, escondida na então tranquila periferia do bairro do Canãa, na parte alta da cidade.
Negro rico, simpático e articulado, Benedito Mossoró foi um mito da cidade. Só tinha amigos. Políticos, empresários, usineiros, jornalistas, artistas, todos queriam festejar com as belas e brejeiras “meninas do Mossoró”, no conforto do ar condicionado, luz negra e sofás confortáveis, ouvindo músicas românticas que vinham de sua ampla área ao ar livre. Discrição garantida. A nata da sociedade masculina das Alagoas podia relaxar e se divertir sem problemas conjugais ou escândalos públicos.
Foi uma noite especial. Como se fosse uma Noite na Ópera. Expedito ficou discretamente escondido no meu carro e saia vez por outra, na tocaia, para fotografar discretamente os frequentadores pelo lado de fora da cerca viva. Nesta noite havia um vice-governador, deputado, empresário usineiro e gente “importante” da cidade.
Era uma sexta-feira. Eu circulava, cumprimentava quem conhecia e bebia o meu Cuba Libre no escurinho do salão, enquanto Expedito fazia magníficas fotos das áreas interna e externa. Após o trabalho, entregamos o portfólio nas mãos do chefe Mendonça Neto.
A única pessoa que saiu estampada no jornal foi o próprio Mossoró, e, em planos posteriores meninas nas mesas ou dançando. As demais fotos ficaram com Mendonça Neto e nunca foram publicadas.
Em 1974, Mendonça foi eleito deputado estadual pelo PMDB, sendo o mais votado de Alagoas, com mais de 15 mil votos.