Descoberta de um jardim numa cidade qualquer
Publicado na revista Novidade nº 15, de 18 de julho de 1931
Carlos Paurílio
Delícia de ser estrangeiro na Cidade Qualquer. De ir à toa. De andar perdido em ruas inéditas. Mas a sensibilidade revolta-se no ambiente mecânico. Fere-se com esses bueiros de fábricas soprando fumaça grossas.
(Em minha cidadezinha eu podia caminhar de olhos fechados ou imaginando poemas).
Aqui os ônibus, os automóveis, os bondes têm tamanha fúria de velocidade, como se o seu trajeto fosse o do fim do mundo. Cheguei a pensar que não estivesse a correr ao redor da Cidade Qualquer, que não formasse um círculo vicioso para deleite ou comodidade dos habitantes.
Tanta ligeireza parece que é pressa de chegar a alguma parte, fora do espaço ou do tempo.
(Lembro os lentos bondes cochilantes de minha cidadezinha, que gastam a rodar até os subúrbios todo um monótono itinerário de paraíso. Sucedem-se as paisagens marginais aos meus olhos infantis como as estampas coloridas do álbum que se folheia devagar).
Na Cidade Qualquer, acotovelam-me, empurram-me e machucam-me. Não tenho meta determinada porque a turma me leva a não sei onde. De passagem, avisto vitrinas deslumbrantes que hipnotizam como grandes olhos luminosos. E anúncios claros no alto. E longos colares de lâmpadas. E estrelas multiplicadas por toda parte. Mas a turba comprime-se e eu sou uns pequenos pés sem rumo.
A muito custo, consigo esgueirar-me num beco próximo, onde respiro a plenos pulmões e sinto como se encontrasse a mim próprio. Porque eu vagava mesmo ausente em meio a tantos rostos anônimos que vão e vêm.
Nisto, há uma invasão da infância. Cada menino mostra um sorriso e um brinquedo. As amas de avental e tocado passam em alado ritmo. Abandono-me às crianças. Sou arrebatado no voo. Aonde me levaram elas? Ao abrir os olhos, estou num jardim.