A Terra Redonda de Sandoval Caju

Edberto Ticianeli

O advogado Sandoval Caju, que foi prefeito de Maceió na primeira metade da década de 1960, defendia um réu em São José de Piranhas, Estado da Paraíba.

Nezinho era acusado de homicídio. Teria assassinado um cidadão conhecido como Nozinho e o Promotor de Justiça pedia dura punição para ele, sustentando que o crime foi agravado por ser cometido à traição.

Sandoval se esforçava na defesa e, diante do auditório do Tribunal do Júri lotado, procurava desmerecer a acusação, que não tinha prova alguma e nem testemunha de que o assassinato teria sido cometido sem permitir que a vítima se defendesse.

Com raiva do representante do Ministério Público, que tinha construído uma versão inverídica do fato, resolveu colocá-lo na defensiva.

Ptolomeu, um cientista da antiguidade, declarou que a Terra era chata como uma tartaruga e tal afirmativa errônea prevaleceu por mais 500 anos, até que a verdade veio à tona e a humanidade ficou sabendo que o nosso planeta não era achatado, mas redondo como uma laranja.

Fez uma pausa, avaliando as expressões dos jurados, todos muito atentos. Continuou:

— A partir de então Ptolomeu passou a ser considerado por todos como o maior mentiroso do universo.

Silêncio absoluto no plenário, que não entendia nada da história da Astronomia e muito menos tinha ouvido falar no tal de Ptolomeu.

Na verdade, Ptolomeu foi o autor da teoria do universo geocêntrico, com a Terra fixa no centro do Universo. Tese que somente foi negada 13 séculos depois por Nicolau Copérnico.

Essa teria sido a mentira de Ptolomeu, mas, depois de horas de júri no interior da Paraíba, ninguém ia dar importância a detalhes como esse.

Sandoval Caju também tinha dúvidas sobre o que afirmara, mas como lembrava vagamente desse assunto em uma das aulas do tempo de estudante, resolveu correr riscos e continuou:

— Era Ptolomeu o maior mentiroso do mundo, mas hoje ele cedeu o seu lugar ao Promotor de Justiça desta Comarca que, em seu libelo acusatório, tenta enquadrar o réu aqui presente em artigo do Código Penal, responsabilizando-o por morte à traição.

O Promotor, com cara de espanto, demonstrava que não discutiria os conhecimentos científicos do advogado e muito menos do tal de Ptolomeu. Sandoval Caju aproveitou para apresentar sua versão dos acontecimentos:

— A única verdade que esse Tribunal tem que considerar é a de que esses dois agricultores vizinhos estavam embriagados quando regressavam juntos da Feira. Discutiram e foram as vias de fato, resultando na morte de um deles e nos ferimentos do outro, indício de luta corporal, negando a possibilidade de crime à traição.

E concluiu:

— Teríamos, então, somente uma morte, mas, lamentavelmente, hoje estamos a julgar duas mortes: a do Nozinho, morto por Nezinho, e a da Verdade, assassinada brutalmente pelo Promotor.

O réu foi absolvido por sete a zero e o Promotor foi visto, no dia seguinte, na Biblioteca da cidade lendo um grosso livro de Astronomia.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “A Terra Redonda de Sandoval Caju

  • 5 de março de 2021 em 11:47
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    Caro Edberto,
    Mais uma matéria genial que sai de seu “faro” de pesquisador.
    Genial esse resgate, de mais um episódio de história de Alagoas. O Sandoval Caju, prefeito de minha infância, foi responsável pela reforma “modernosa” das praças de Maceió.
    Não me deixe sem suas matérias maravilhosas e que me trazem recordações únicas.
    Grande abraço,
    Luciaurea Oliveira Cavalcanti

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