O som das vértebras

Sérgio Braga Vilas Boas

Hoje ouvi o som de vértebras!

Confesso que hoje foi um dia diferente dos que tenho tido ultimamente. Dias enfadonhos, rotos. Prenhes de mesmice e abobrinhas recheadas de vácuo, quando não de tristezas trazidas pela pandemia que nos assola e destrói física e psicologicamente.

Mas hoje não, hoje ouvi o estalar de vértebras!

Lula quando começou a falar não disse nada de extraordinário. Disse, talvez, o que se esperava dele, salvo um pequeno desabafo aqui outro ali.

O problema está na altura do sarrafo. Para quem não sabe, sarrafo é uma espécie de vara de marcação da altura do salto, nas disputas de atletismo.

Lula subiu o sarrafo, que andava pelo chão permitindo que até seres invertebrados o saltassem.

O velho tem vértebras. Talvez o último grande representante vertebrado do mundo político brasileiro que consegue se espalhar com a voz e ocupar espaços sem sair do lugar.

Talvez o último com espaço internacional.

Talvez o último capaz de reunir parte das tribos que disputam o Brasil contemporâneo.

Talvez o único, estando livre e desimpedido, a ditar o ritmo da dança.

Não sei se o Lula será candidato ou não. Não é disso que falo.

Falo de política. Falo da fala, que diferencia os humanos. Falo de Democracia, que é condição de sobrevivência daquilo que nos diferencia dos demais animais: a linguagem.

A linguagem não pode ser encarcerada. Se for, deixará de sê-la.

Sem linguagem, não há diálogo; não há política; não há civilização.

Lula é a expressão da linguagem.

Quando foi encarcerado, encarceraram a linguagem e as vértebras da política.

Hoje ouvi a fala, hoje ouvi o som de vértebras.

Hoje revi minhas esperanças na linguagem como a arma mais potente e que nos torna humanos.

Meus ouvidos, já cansados, hoje apressaram-se em afastar a cera que já quase lhes obstruía e uma voz rouca se fez ouvir.

Hoje ouvi a fala! Hoje ouvi o som de vértebras!

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “O som das vértebras

  • 11 de março de 2021 em 09:26
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    Ótimo texto, Sérgio!

    Resposta

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