Catador de Estrelas
Miguel Gustavo de Paiva Torres
(Homenagem aos amigos que se foram e permanecem)
Os ventos varrendo o lado escuro da terra; vindos da costa africana os alísios afastam nuvens e acendem, neste deserto marítimo, milhões e milhões de estrelas. Luz em viagem de longo curso. Bilhões de anos é apenas um pensamento sem medida.
Quanta vida surgiu e desapareceu nesta matéria escura. Quantas pestes, quantas pragas bateram forte nas portas da arrogância desta estranha criatura que pensa, cria e imagina-se Deus. Ele e ela ou pedra ou gelo ou água, mas feito e moldado no teu pensamento.
O balanço na rede me leva ao infinito da varanda solta no espaço. Quem acende estrelas, todas as noites, de um lado e do outro lado da lua, no céu do universo desse minúsculo ponto azul chamado Terra?
Quem acende a luz desta sala onde encenam-se todas as comédias, tragédias, bondades e crueldades destes insignificantes seres que se procriam como criadores e destruidores?
Quantos palácios e quantas palafitas abrigam estes raros animais pensantes na bola que gira, perdida, sem rumo conhecido, no espaço curvo da minha mente. A consciência que tenho é apenas a do vento; a memória do bicho papão no coqueiro com seus pequenos olhos vermelhos. O barulho do mar é de uma praia longínqua em um local no GPS chamado Alagoas, pedaço de mar onde minhas cinzas servirão de alimento aos peixes elétricos, polvos e cavalos marinhos, — estes acendedores de estrelas das almas que vagam na eterna escuridão divina —.
E o catador de latinhas da minha rua? Foi ele um vagalume, uma estrela cadente na paisagem da existência breve e fugaz, ou apenas o reflexo da poeira das estrelas, do gelo, dos desertos ou das palmas secas da caatinga do sertão.
Poeira da existência, em um sábado, na viagem sem fim na antiga estrada de barro, poeira e infinito, de Palmeira dos Índios à Água Branca? Quantas almas perdidas, ambições, vaidades, amor e torpeza, secaram bocas e fecharam os olhos nos sacolejos da estrada e do pensamento?
Escrevi o livro da existência — a minha e a nossa —, com estrelas cadentes no horizonte de tantas vidas. Respiradores de vidro sugando o oxigênio das memórias do tempo; na velocidade da última estrela que catei, indo embora eternamente na poeira dessa luz, imensidão de vida e morte; sem fim e sem começo.