Os exércitos do Burro Rei

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Foi assim. O burro se achava mais esperto do que todos os cavalos presos no cercadinho. Afinal ele tinha sido eleito, pelas redes sociais que organizou juntamente com morcegos, vírus e abutres amigos, chefe máximo de todos os animais da fazenda; inclusive patos, galinhas, gansos e araras, bichos de pena que sempre tiveram mania de superioridade por dispor de asas e mudar de fazenda quando quisessem: esses ficavam sempre no centro do cercadinho. Nunca se moviam para os lados, recantos preferidos de cavalos, éguas, porcos, tatús, vacas, ovelhas, preguiças, cupins e formigas saúva, principais espécies do cercadinho onde reinava o burro.

A maior felicidade do burro era poder dar ordens, gritar e humilhar os garbosos cavalos e as suas fêmeas éguas, aos quais sempre dedicou uma frustrada reverência por motivo da hierarquia do reino da natureza, defendida pelos pastores de sua Igreja.

Sabia, lá no fundo do seu cérebro de burro que nascera burro e morreria burro: por mais que humilhasse os cavalos, esses seriam sempre cavalos e ele e suas crias seriam sempre burros. Daí a raiva profunda e disfarçada que enganava com um estranho e sinistro sorriso no canto da boca.

Acreditava piamente que os burros podiam ser mais sabidos do que os cavalos e, por isso, bastaria ter cenouras suficientes e um chicote com pregos para meter medo e não deixar os cavalos serem cavalos, garbosos e fortes, mas apenas quadrupedes prontos a obedecer tudo o que dissesse e o que mandasse fazer. “— Ele manda e eu obedeço —”, dizia um garanhão sem nenhuma vergonha.

Uma cenoura na mão, discurso de ódio na boca e chicote com pregos na outra mão. Foi assim que o burro conseguiu ser o chefe supremo dos cavalos e de todos os animais do cercadinho da fazenda. Organizou e mobilizou o seu exército equino: ”— o meu exército dizia —“, feliz da vida, tentando ser cavalo levantava sério patas e orelhas.

O comandante burro por onde passava nada mais nascia. Quando saia do cercadinho com suas tropas era um deus nos acuda. Chegou a desfilar. Teve a coragem de desfilar e espalhar a morte na principal esplanada da terra arrasada que administrou.

Aplaudido e admirado por oficiais e soldados. Entrou definitivamente para a História mundial. Superou Napoleão, Átila o Huno, Gengis Khan e Aníbal. Foi o maior guerreiro do seu próprio exército. Louvado seja Deus que permitiu sua glória eterna, montado em cima dos seus cavalos de bronze e ouro.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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