Bezerrão e o céu de taliscas de foguetes

Edberto Ticianeli

O cearense José Murici foi o fiscal do Instituto Nacional do Sal em Alagoas durante todo o governo de Silvestre Péricles (de 29 de março de 1947 a 31 de janeiro de 1951).

Boa praça e bem relacionado, fiscalizava os estoques e preços do produto em Alagoas para a autarquia federal vinculada à Presidência da República. O Instituto do Sal foi criada pelo Decreto-lei nº 2.398, de 10 de junho de 1940.

Passou a denominar-se Instituto Brasileiro do Sal em 13 de maio de 1957 e foi extinto pelo Decreto-lei nº 257, de 28 de fevereiro de 1967. Suas funções ficaram a encargo da Comissão Executiva do Sal, como órgão integrante do Ministério da Indústria e do Comércio.

Com a posse de Arnon de Melo no governo alagoano (31 de janeiro de 1951 a 31 de janeiro de 1956) e com a presidência do Instituto sendo entregue, a partir de 24 de fevereiro de 1951, ao paraibano e futuro deputado federal Raul de Góis, José Murici passou a ser perseguido politicamente em Alagoas.

Arnon de Melo, que não gostava do fiscal, tratou de mexer os cordões da política para conseguir o seu afastamento de Alagoas. Um dos seus secretários ficou encarregado de articular essa remoção com a direção do Instituto no Rio de Janeiro.

Não demorou e José Murici recebeu ordens para arrumar as gavetas e levar seus papéis para o Ceará, sua nova lotação.

Apaixonado por Maceió, o cearense não ficou contente em voltar para o seu estado natal, muito menos por mesquinharia política, considerando que fazia um bom trabalho e se dava bem com quase todo mundo.

Tradicional no Nordeste, o foguete com sua talisca, ou tala, também era conhecido como rojão de vara em outras regiões

Resolveu resistir e solicitou audiência com seu superior no Rio de Janeiro. No dia do embarque, quando entrou no saguão do Aeroporto dos Palmares, carregando uma maleta e muita revolta pela perseguição sofrida, avistou a poucos metros o secretário que havia intercedido com seus superiores para afastá-lo de Alagoas.

Decidido a cobrar satisfações, iniciou rápida caminhada em direção ao cidadão.

Bezerrão, que era o investigador de Polícia de serviço no Aeroporto e estava próximo, ao ver o movimento do amigo e percebendo que ia na direção da outra autoridade, resolveu intervir. Usou seus 150 quilos para “abraçar” Murici e arrastá-lo para um canto, evitando o possível conflito.

O cearense não se conformava por perder a oportunidade daquele acerto de contas e insistia em ir até onde estava o secretário de Arnon de Melo.

Mesmo sendo analfabeto, Bezerrão resolveu usar sua larga experiência para acalmá-lo.

Murici, me ouça! Sou mais velho que tu um bocado e mesmo não tendo leitura, conheço bem a vida, então me ouça!

Respirou um pouco e continuou:

Não insista em ficar por aqui. Não vale a pena. Aceite sua transferência para o Ceará. Um dia Arnon sai do governo e tu vem de novo pra cá.

Para concluir, utilizou do argumento mais importante que lhe veio à cabeça naquele momento:

— Se tudo que subisse não caísse, o céu estava cheinho de taliscas de foguetes. Arnon um dia vai cair!

Foi o suficiente para acalmar José Murici, que foi embora e terminou seus dias no Ceará. Enquanto viveu, de vez em quando olhava para o céu para conferir a situação das taliscas de foguetes. A do Arnon continuava lá.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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