O matador de gente que foi promovido a Capitão

Edberto Ticianeli

Quem conhece um pouco mais da história do Brasil sabe o que foi a Coluna Costa-Prestes, um agrupamento militar se formou em 1925 como desdobramentos dos levantes tenentistas de 1922 e 24.

Seu líder mais conhecido, Luís Carlos Prestes, posteriormente aderiu às ideias socialistas e foi por décadas dirigente do Partido Comunista do Brasil.

Mas foi a sua participação na histórica marcha pelo interior do Brasil que o levou ser conhecido internacionalmente e respeitado como militar.

Caminharam por mais de dois anos e tiveram vários enfrentamentos com as tropas do presidente Artur Bernardes. Num percurso de 25.000 quilômetros, cruzaram doze estados antes de dissolverem-se na Bolívia em 1927.

Foi nesse trajeto do Sul para o Norte que a Coluna Prestes chegou ao Ceará no início de 1926.

Para enfrentar esse pequeno exército, o futuro general, alagoano, Pedro Aurélio de Góis Monteiro, chefe do estado-maior das ações de enfrentamento com a Coluna, resolveu orientar as lideranças políticas da região para que contratassem jagunços e cangaceiros como forças auxiliares.

Quem ficou encarregado pelo presidente da República pela mobilização dessas “milícias” no Ceará foi o médico e deputado federal Floro Bartolomeu da Costa, um baiano que chegou a Juazeiro do Norte em 1908 e se estabeleceu abrindo uma farmácia.

Floro Bartolomeu e Padre Cícero

Foi ele quem convenceu o padre Cícero Romão Batista, que estava com suas ordens religiosas suspensas pelo Vaticano, a participar da política pelo Partido Republicano Conservador (PRC).

Com a emancipação política de Juazeiro do Norte em 22 de julho de 1911, padre Cícero foi eleito o primeiro prefeito do município. Permaneceu por 12 anos nesse cargo.

Foi eleito ainda, em 1913, vice-governador do Ceará, cargo que acumulou com o de prefeito, e recebeu também o mandato de deputado federal pelo Ceará entre 6 de agosto e 31 de dezembro de 1926. Não exerceu esses dois mandatos.

Batalhões Patrióticos

Coube ao “general comissionadoFloro Bartolomeu a denominação das forças auxiliares como “Batalhões Patrióticos”.

Ele havia recebido do presidente quase dois mil contos de réis, dois mil fuzis, munição e fardamento para dois mil homens dos seus batalhões.

Com todo esse arsenal, montou seu quartel-general na cidade de Campo Sales, na divisa com o Piauí, com o apoio militar do 11º Regimento de Infantaria de São João Del Rei.

Na cidade do Juazeiro do Norte, cerca de dois mil jagunços estavam agrupados no entorno da cidade para protegê-la em caso de ataque dos revoltosos.

Sabendo que tinha havido em Pernambuco um enfrentamento entre a Coluna Prestes e o bando de Lampião, o deputado resolveu convidá-los para repetir o feito no Ceará. Fez isso sem consultar e nem avisar ao correligionário Padre Cícero.

Quando soube que Lampião se aproximava de sua cidade, o religioso se desesperou diante da possibilidade de ver o bando em Juazeiro. Antecipou-se e enviou correspondência a Virgulino Ferreira dizendo, inocentemente, que ele seria bem-vindo, mas teria que depor as armas.

Lampião, como era de se esperar, entrou em Juazeiro do Norte com 49 cangaceiros fortemente armados no dia 4 de março e ocupou o sobrado onde morava o poeta João Mendes de Oliveira.

Como o dr. Floro tinha adoecido e viajado para o Rio de Janeiro, onde faleceu quatro dias depois, e Lampião exigia o prometido no convite: dinheiro, armas e a patente de capitão do “Batalhão Patriótico”, Padre Cícero pediu ao seu secretário, o histórico fotógrafo libanês Benjamim Abraão, para resolver a situação.

Foi ele quem convenceu Pedro de Albuquerque Uchoa, único funcionário público federal na cidade, a assinar um documento “montado” pelo fotógrafo, nomeando o cangaceiro com a patente de Capitão e lhe dando salvo-conduto.

Quando chegou a informação que a Coluna Prestes já havia atravessado o Ceará com apenas um único combate em Crateús, Lampião deixou Juazeiro do Norte e voltou às suas atividades como bandoleiro, mas com dinheiro, armas e muita munição, tudo fornecido pelo governo brasileiro.

O salvo-conduto não servia para nada, mas a patente de Capitão foi incorporada ao seu nome, mesmo não sendo reconhecida por nenhum militar.

Na primeira vez que tentou usar sua condição de oficial do Exército Patriótico, Lampião não se deu bem.

Para testar sua patente, mandou recado para seus inimigos na Vila de Nazaré, em Pernambuco, perguntando como seria recebido sendo agora o Capitão Virgulino Ferreira da Silva. “À bala”, responderam os chefes políticos do local.

Dias depois da retirada de Lampião de Juazeiro do Norte, o agrônomo Uchoa foi questionado por ter assinado o documento dando salvo-conduto ao cangaceiro. Não titubeou na resposta:

— Cercado pelo bando de Lampião, com ele ao lado, eu assinaria até a destituição do presidente da República.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

2 comentários em “O matador de gente que foi promovido a Capitão

  • 24 de março de 2021 em 21:12
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    Parabéns, Rdberto! Importantíssima história.

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  • 25 de março de 2021 em 09:53
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    Gostei da história! Foi claríssima!
    Parabéns Edberto!

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