Curto ensaio sobre o Brasil amanhã

Sergio Braga Vilas Boas

Precisamos nos reencontrar. O Brasil foi despedaçado. Sua complexidade foi reduzida a conceitos débeis inerentes à indigência de quem nos governa(?). É como se um misto de uma realidade semelhante à de “Ensaio Sobre a Cegueira”, de Jose Saramago, e de “Odes”, de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa), tivesse desabado sobre nós.

Na obra de Saramago, um homem é tomado por uma espécie de cegueira e a transmite de forma epidêmica à praticamente todos na cidade, onde apenas uma mulher permanece, em segredo, sã. E ela pode observar a devastação que acontece diante dos seus olhos, secretamente.

Em “Odes”, “Os jogadores de Xadrez”, Ricardo Reis revela sua influência estoica, de indiferença às dores e desgraças humanas para conseguir ser feliz:

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na Cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

……………………………..

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Esquecemos Zumbi dos Palmares, José do Patrocínio, do Brasil essencialmente mulato, cafuzo, índio, branco, miscigenado. Esquecemos que Jorge Amado, Graciliano, Patativa do Assaré, mestre Vitalino, Zé Limeira da Paraíba, Nelson da Rabeca, juntam-se a Chico Buarque, Gaúcho da Fronteira, Pena Branca e Xavantinho, Tonico e Tinoco, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, e tantos outros para formar a alma brasileira.

Precisamos nos reencontrar. Subir de novo as ladeiras de Salvador e Ouro Preto e as escadas da Penha. Atravessar de balsa o São Francisco de Penedo à Neópolis. Comer fava com charque no Pina e visitar o Recife Velho. Caminhar pelas praias de Maceió e pelas dunas de Natal. Dançar com os índios no Xingu. Voar pelas “asas” de Brasília com destino à Praça do Patriarca e o Viaduto do Chá. Andar pelos Pampas.

Precisamos nos reencontrar. Para nos reconstruir e nos olharmos sem medo nem rancor. Nesse reencontro, teremos de ser generosos. Generosos uns com os outros. Generosos, com os que nos riram, que por equívoco, cuspiram no chão.

Mas, ainda haverá os que rejeitarão o reencontro, preferindo o azedume da cegueira, ou a indiferença do púcaro de vinho. Mas, mesmo assim, deveremos lhes deixar uma porta aberta. Quem sabe, no futuro, alguma luz que emane da reunião, lhes cure a cegueira, lhes ilumine a indiferença.

Por que falamos em reencontro? Porque cremos que a despeito de toda insanidade da qual somos capazes, podemos e devemos olhar para o lado, e ver o outro sem querer trucidá-lo.

Por crermos que podemos construir uma sociedade para todos.

Por querermos o riso de todos, e não de poucos.

Por crermos que todos têm direito à vida.

Por cremos que tudo pode melhorar, e que nós queremos participar disso, nas ruas, nas praças, sem violência, em paz numa festa da democracia.

Que assim seja o amanhã.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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